O lobby é uma
atividade realizada por indivíduos, ou um grupo organizado com o intuito de
gerar influência sob poderes públicos e/ou políticos na realização de uma certa
demanda específica, por possuírem interesse na realização deste ato, sendo
importante ressaltar que esta influência não possui cunho de tomada de poder
político ou controle de Estado.
O Advogado, Dr. Vinícius Cordeiro |
A expressão “lobista” (antecâmara,
antessala) foi cunhada pelo presidente americano Ulysses S. Grant, pois durante
seu período presidencial (1869-1877), ele costumava fumar charutos no lobby do
Willard Hotel, em Washington; Com o tempo, grupos de interesses diversos
começaram a frequentar o local para assediar Grant e convencê-lo a aprovar leis
que os favorecessem. Agora, associa-se a expressão aos espaços contíguos à
entrada dos plenários.
Embora considera-se uma atividade
legítima e regulamentada por lei em muitos países (em pelo menos 17, alem do
Parlamento Europeu), o “lobby” é frequentemente associado à corrupção e ao
tráfego de influência. Há porem, nas democracias liberais, um avanço
inegável da visão dos que pretendem a sua regulação, para que justamente
existam limites para a atuação legal, controlada, dos representantes de grupos
econômicos, religiosos, industriais, ou simplesmente, “grupos de pressão”, que
atuam junto aos corpos legislativos e ao Executivo, em quaisquer níveis,
pretendendo sempre obter decisões favoráveis aos seus intentos.
Travei conhecimento com o tema,
através de artigo publicado pelo prof. Paulo Benevides, quando ainda acadêmico
na UFRJ, no início dos anos 80, que expunha o histórico da legalização do
lobby, a ação dos grupos de pressão, bem como aspectos negativos e positivos da
atividade, bem como os “corretivos à ação dos grupos”, assinalados em seu
festejado livro “Ciência Política” (4ª edição, de 1978). O curioso é que mesmo
após tantos anos de discussão acadêmica, o Brasil ainda não resolveu a questão.
Nos EUA, o Federal Regulation of
Lobbying Act (1946) procurou minimizar a influência dos lobistas
junto ao Legislativo, considerada constitucional pela Suprema Corte em 1954,
por ocasião no caso US VS. Harris, fazendo com que milhares de pessoas e
centenas de grupos se inscrevessem como lobistas, como decorrência da lei de
1946; a lei foi seguida pelo Lobbying Disclosure Act (1995), que
responsabilizou a atividade, regulamentado-o também junto ao Executivo; e
pelo Honest Leadership and Open Government Act (2007), que aumentou
as exigências de transparência da atividade lobista e limitou ainda mais os
presentes a parlamentares. Lembre-se enfim, que há uma profusão de leis
estaduais que regulamentam o lobby de forma diferenciada nos estados
americanos.
Diversos blocos econômicos e países
também regulamentaram o lobby, dentre os quais a União Europeia e o
Chile. No seio da UE, desde 2015, há um código de conduta, sendo voluntário o
cadastramento dos lobistas; desde 2011, há um registro de transparência, e
credita mais de 11 mil entidades, entre indivíduos, ongs, associações, grupos
de pressão, e outros, segundo o órgão, em 2018. Cabe à Comissão Europeia
fiscalizar e aplicar sanções, que podem chegar à eliminação do registro. Também
mais recentemente, a UE discute novas normas de transparência, com a
possibilidade de tornar obrigatório o credenciamento prévio, para se atuar no
parlamento.
A regulamentação no Chile, datada de
2014, foi fruto de um longo processo, que resultou em um modelo simples,
equilibrado e transparente. Para preservar o registro das informações, cabe ao
agente público registrar, obrigatoriamente, as informações, e não ao lobista.
Nas grandes organizações internacionais, como a ONU e a OCDE, também avançam o
tratamento ao tema; aliás, a OCDE estabeleceu dez princípios, em prol da
transparência e integridade no lobby, recomendando que os seus
países-membros o regulamentassem (2010).
Apesar de não ser bem visto pela
população brasileira por, muitas vezes, se parecer ou ser confundido com a
influência para a prática de atos de corrupção, a atividade lobista tem o
intuito contrário à de corromper o poder público. A influência exercida por um
grupo sob o poder público sempre deverá ter objetivos em realização de atos que
serão favoráveis à sociedade, de modo geral, ou a algum grupo específico.
Para o ex ministro Torquato Jardim, os
partidos não conseguem ser os únicos intermediários entre as demandas da
sociedade civil e o parlamento, ou os representantes eleitos, mas é fundamental
amplia. Segundo ele, o lobby político legalizado pode ser a solução: “É
preciso um mecanismo legítimo pela sua ação e legal pela sua regulamentação que
complemente a representação dos partidos políticos”, assegura. Há de fato,
características próprias do capitalismo brasileiro, com forte presença e
regulação estatal, para afirmar-se que é impossível não se falar numa
inter-relação quase que obrigatória entre setores privados e público.
No país, segue-se um processo de
regulamentação jurídica na esteira das leis do Código de Alta Conduta da
Administração Pública (2000), o Acesso à Informação (lei 12.527/11), Conflito
de Interesses do servidor público (Lei n. 12.813/13), a lei da empresa limpa (Lei
n. 12.846/2013), a Anticorrupção (Lei n. 18.846/13), a regulamentação da
atividade de defesa de interesses perante a Administração Pública, prática
conhecida como lobby(espécie de advocacy, isto é, atividade
desenvolvida por pessoa ou organização para obter alguma forma de influência
política) é um desdobramento que podemos dizer, natural, havendo uma
manifestação recente dos Poderes Executivo e Legislativo para que se edite um
diploma regulamentotório legal.
O Parlamento, tanto na Câmara e no Senado,
já havia avaliado o tema anteriormente. Desde 1990, houveram diversas
proposituras e tentativas legislativas de regulamentar o lobby. O então
senador Marco Maciel (PFL-PE) apresentou o Projeto de Lei 6.132/1990, “sobre o
registro de pessoas físicas ou jurídicas junto às casas do Congresso Nacional”.
Embora aprovado pelo Senado, tal projeto foi tido como inconstitucional pela
CCJ, em razão de considerar que a regulamentação deveria ser feita por
resolução do Congresso Nacional, por dizer respeito à organização interna do
Legislativo.
Seguiram-se três projetos de resolução
do Congresso Nacional: o PR de n. 87/2000, do deputado Ronaldo Vasconcellos
(PFL-MG), a respeito da “atuação dos grupos de pressão, lobby e
assemelhados na Câmara dos Deputados”; o n. 63/2000, da Comissão
Especial da Reforma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados; e 203/2001,
de autoria do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), acerca da “atuação dos grupos
de pressão ou de interesses e assemelhados na Câmara dos Deputados”. Esses projetos
de resolução foram arquivados, sem votação, por pretextos formais.
No Senado, destacamos a apresentação,
em 2016, pelo senador Romero Jucá, da Emenda Constitucional n. 47/2016,
aditando a Subseção I à Seção I do Capítulo VII, do Título III da Constituição
Federal, para “regular a atividade de representação de interesses perante a
Administração Pública”. Para essa PEC,o lobby, função auxiliar e
subsidiária na formulação de políticas públicas, tem por finalidade “provocar,
subsidiar, impulsionar ou orientar a ação estatal”, podendo ser praticada
por “pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado,
diretamente ou por interposta pessoa”, perante entidades de qualquer nível
governamental.
Finalmente, anda em passos lentos na
Câmara o Projeto de Lei n. 1201/ 2007 de autoria do deputado Carlos Zarattini
(PT-SP), tinha como bases a regulamentação da atividade a partir de pontos
essenciais: o credenciamento obrigatório dos lobistas, o fornecimento de
informações detalhadas acerca de suas atividades (quanto, como e com o que
gastam dinheiro), a divulgação pública das informações, medidas que garantam o
direito ao contraditório (direito de resposta) e até penalidades para aqueles
que desrespeitarem as regras.
A proposta tramita há mais de uma década,
e aguarda o pronunciamento do plenário, após sua aprovação na CCJ da Câmara,
receber um substitutivo, e ser discutido por meio de painéis e simpósios
diversos; mesmo assim, o projeto recebeu pesadas críticas, por distar dos
padrões internacionais, como da OCDE, e ainda há outros novos projetos, como o
PLS n. 336/2015, de autoria do senador Walter Pinheiro (PT-BA).
Uma das discussões travadas era a da
obrigatoriedade de credenciamento, considerada medida de transparência, bem
como as ressalvas a uma possível burocratização para a atuação dos lobistas, o
que poderia levar a uma atuação semilegal ou burla para fugir de empecilhos de
registro administrativo. Sempre se encontra um jeito, afinal, para que grupos
de pressão atuem, de forma descoberta ou não.
Mais recentemente, foi informado que a
equipe do presidente Jair Bolsonaro está trabalhando na elaboração de um decreto
que regulamentará a atividade do lobby no Brasil, e segundo oficiais do
governo, dá aos chamados lobistas profissionais a denominação de Agente de
Relações Institucionais e Governamentais, ou simplesmente RIG, como prefere
quem atua no setor. Wagner Rosário, ministro da Transparência que absorveu a
estrutura da Controladoria Geral da União (CGU), garante que o texto final
ficará pronto em breve, e que há uma demanda global e da sociedade neste
sentido.
Enfim, o tema parece chegar ao patamar
próximo da regulação legislativa, seja pelo Poder Executivo, ou Legislativo,
mesmo que de forma fragilizada, após uma série de leis já citadas, e do
processo político que exige cada vez mais transparência e a intensidade
crescente do combate à corrupção, existindo um crescente interesse não só da
comunidade acadêmica e da sociedade civil em que o lobby seja legalizado e
regulamentado, por sua legitimidade, pela legitimidade de setores da iniciativa
privada em contribuir para a elaboração de normas e políticas públicas de
interesse coletivo, e pela transparência que se adita com a atividade clarificada. O
professor Seligman, estudioso do tema,prefere chamar o lobby por
seu próprio nome e não pelo eufemismo “relações governamentais”, tanto que foi
organizador de livro, recém-lançado, Lobby Desvendado. Democracia,
Políticas Públicas e Corrupção no Brasil Contemporâneo[1].
O histórico da evolução e
dos episódios envolvendo as tentativas de regulamentação do lobby no
Brasil mostra a falta de vontade política, do Legislativo e do Executivo, que
não encapou nenhum dos projetos. Mesmo existindo normas colaterais, faz falta
legislação coerente e direta, que possa, efetivamente, fazer do lobby um
instrumento democrático de representação e defesa de interesses; equilibrar
os lobbies atuantes; e contribuir para impedir a concessão
de privilégios injustificáveis.
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