Confira nosso
bate papo com o Ministro Presbiteriano Balnires Júnior. Ele é formado em
Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana, com especialização em
Aconselhamento Pastoral Familiar. É Capelão do Hospital Semiu, na Vila da
Penha. E, desde 2015, Pastor Efetivo da Igreja Presbiteriana de Vila Valqueire,
no Rio de Janeiro. Balnires tem família radicada em Portela, Terceiro Distrito
de Itaocara.
Nova Voz On Line - Num tempo de tanta intransigência e de tanta burrice no Mundo,
qual deve ser o papel da religião?
Pastor Balnires Jr.- O de criar
espaços e mecanismos para a construção de um diálogo respeitoso e fraterno dos
temas que incidem diretamente na vida das pessoas. É preciso que alguém diga
que as nossas opções não se resumem a nos identificarmos como “coxinhas” ou
“mortadelas”. O planeta se depara com a maior crise humanitária da história. Só
no ano passado, segundo relatório da ONU, mais de 65 milhões de pessoas foram
forçadas a se deslocar em todo o mundo, sendo que a metade do número total dos
refugiados são crianças.
Nova Voz On Line – E o Brasil?
Pastor Balnires Jr.
- Enfrentamos
um delicado momento de crise econômica, política e social, onde a corrupção
parece ter tomado conta de todas as instituições e sepultado a República. Nesse
contexto, as religiões, pela diversidade que possuem, podem exercer importante
papel como instrumento de conciliação e mediação, em dias de crescente
confronto, onde gritos e empurrões tomam o lugar da palavra.
Nova Voz On Line - Observo que às
vezes é possível encontrar duas pessoas que frequentam a mesma Igreja, sentam
lado a lado, ouvindo a mesma palavra, mas, mesmo assim, uma usa o que ouviu de
modo intransigente, como justificativa para o próprio preconceito e
discriminação. E a outra aplica o ensinamento de maneira fraterna, buscando fazer
o bem para todos, no dia a dia, através do que aprendeu. Gostaria que
teorizasse sobre o porquê disto, se achar que estou certo.
Pastor Balnires Jr.
-
Sua observação é pertinente, pois dentro de cada religião é possível vivenciar
a espiritualidade de diversas maneiras. Quando falamos de religião, nos
referimos à maneira como o ser humano organiza e vivencia sua experiência com o
metafísico. Ou seja, aquilo que transcende a natureza física das coisas. Já a
Espiritualidade se referente às virtudes do espírito: amor, compaixão,
solidariedade, generosidade, perdão e justiça.
Alegria dos membros da Igreja Presbiteriana pastoreada por Balnires Jr. |
Pastor Balnires - Quem ama o
outro não quer dominá-lo. Quem ama o outro não insufla guerra contra o outro,
mesmo que este tenha uma prática religiosa diferente da sua. O reino de Deus
não é o reino dos conflitos e das guerras que produz morte. Ao contrário, o
reino de Deus é o ambiente da reconciliação e da paz, onde todos buscam o bem
comum e não apenas a satisfação dos interesses particulares.
Nova Voz On Line - Houve um
episódio na cidade do Rio de Janeiro, não faz muito tempo, quando uma religião
de origem africana, teve seu terreiro desrespeitado, inclusive com objetos
religiosos que cultuam quebrados. Nesse momento, o senhor, como Pastor, buscou
estar ao lado destes religiosos, marchando em defesa da tolerância. Pode nos
contar um pouco?
Pastor Balnires Jr. - Foi um ato
em resposta a mais um episódio de intolerância religiosa contra religiões
afro-brasileiras. O caso ganhou destaque da imprensa na época, e envolveu
diretamente uma menina chamada Kailane Campos, que foi atingida por uma pedra,
quando voltava para casa, na companhia de um grupo de oito religiosos, vestidos
com trajes brancos do Candomblé. Naquela ocasião, a Primeira Igreja Batista da
Vila da Penha, em um gesto de solidariedade, fechou as portas do seu templo, e
levou toda a sua membresia para a praça do bairro, em um encontro que reuniu
diversas religiões, com uma grande representatividade de cristãos evangélicos.
O tema foi muito sugestivo: “Deus ama você igualzinho ama a mim”. A nossa
palavra naquele dia teve início com um pedido sincero de desculpas, além da
manifestação do nosso veemente repúdio ao crime cometido. Afirmamos também que
mais do que tolerância, é preciso respeito. Intolerância religiosa é crime e
fere a dignidade humana.
Nova Voz On Line – A busca do
diálogo entre os seres humanos, sem gritos, nem posições ideológicas fechadas,
é a melhor alternativa para vencermos os conflitos que cada dia estão mais
próximos dos nossos lares?
Pastor Balnires Jr. - Acredito que só
venceremos esses conflitos se insistirmos na busca do diálogo. Hoje, dialogar é
resistir à lógica do confronto. Basta acessar as redes sociais para
constatarmos que diálogo e mediação são experiências raras. Vivemos momentos de
muito confronto. Vivemos tempos de extrema polarização religiosa e política. E
é neste cenário que crescem assustadoramente os gestos de intolerância,
agressividade e violência.
O diálogo é uma ferramenta que o Pastor Balnires considera fundamental na construção de um Mundo Melhor |
Nova Voz On Line – Pode explicar melhor?
Pastor Balnires Jr. - No
cristianismo, por exemplo, essa espiritualidade pode ser vivenciada de uma
forma Católica Romana, Ortodoxa ou Protestante. E em cada uma dessas formas,
existem ramificações variadas. Uma coisa é a Renovação Carismática Católica,
outra o pensamento tradicionalista. A primeira tem sua origem no Movimento
Carismático da Igreja Episcopal Protestante americana, dentro de um pensamento
ecumênico, porém mantendo os dogmas do Catolicismo Romano; o outro surge com
críticas às mudanças associadas às decisões do Concílio Vaticano II. No
protestantismo também. Um é o cristianismo de Santo Agostinho, Tomás de Aquino
e dos célebres reformadores Martinho Lutero e João Calvino; outro o
cristianismo do pentecostalismo e do neo-pentecostalismo. Portanto quando
dizemos qual é a nossa religião sugerimos alguma coisa, mas não dizemos muito a
respeito de nossa espiritualidade. Certa vez ouvi alguém dizer que é mais fácil
encontrar uma pessoa religiosa, do que um espírito livre e capaz de amar.
Nova Voz On Line – Pensando no
que estudei sobre a vida de Jesus Cristo, concluo que a postura dele foi estar
ao lado das pessoas comuns, enfrentando junto com elas, as dificuldades que
tinham no cotidiano. Por que, ao longo da história, muitas vezes o cristianismo
parece ter sido sequestrado pelos poderosos e seus princípios distorcidos, para
manipular os seres humanos em proveito destes grupos?
Pastor Balnires Jr. - Gosto de
separar o Cristianismo, ou seja, a religião, do Evangelho, pois quanto mais nos
debruçamos sobre o Cristo dos Evangelhos, mais constatamos a diferença entre o
Nazareno e o Jesus Gospel, anunciado por muitos tele pastores. Este último é aquele
que está sempre a postos para satisfazer vontades e atender as necessidades
humanas; enquanto o primeiro é o que abriu mão da própria vontade, considerou
os outros superiores a si mesmo, serviu em vez de ser servido. Lavou os pés dos
outros, no lugar de ter os pés lavados, e foi acusado pelos líderes religiosos
de seu tempo, de ser amigo dos pecadores, de comer com publicanos e conversar
com prostitutas.
Nova Voz On Line – Parece que
tinha grande compreensão do tormento da alma humana.
Pastor Balnires Jr. - Jesus
Cristo sempre agiu com compaixão para com os pobres, os mais sofridos e os mais
necessitados. Durante seu ministério advertiu os discípulos sobre o cuidado com
os menores, os pequeninos. Não encontraremos na narrativa bíblica nenhuma ação,
gesto, palavra ou mesmo o silêncio de Jesus a favor dos grupos poderosos do seu
tempo. Aliás, foram estes, os poderosos, que tramaram a sua morte.
Nova Voz On Line - Pela fé e o
conhecimento que você tem, acha que se Jesus estivesse vivo, defenderia bandeiras
como a pena de morte e insuflaria seus crentes numa guerra contra outras
religiões, buscando uma dominação mundial cristã?
Pastor Balnires Jr. - Jesus veio para
anunciar o Reino de Deus. O reino de Deus é o reino da vida! Um reino que não
indica um território, âmbito ou época, mas um reino gerador de felicidade e
justiça eterna, por isso o novo mandamento: “Amem uns aos outros. Assim como eu
vos amei, vocês devem amar uns aos outros.” É interessante que um pouco depois,
Paulo, o apóstolo, escrevendo aos Romanos vai concluir “que o amor cumpre todas
as exigências da lei de Deus”.
Nova Voz On Line – O amor que
anda tão esquecido nos discursos seculares e religiosos.
Nova Voz On Line – As religiões e os
religiosos responsáveis têm então papel fundamental a ser exercido?
Pastor Balnires Jr. - Por isso falei
anteriormente no uso da religião como instrumento de moderação de conflitos.
Nelson Mandela, grande líder sul-africano, tem uma frase muito interessante,
que muito nos ensina: “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele,
ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e
se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”.
Nova Voz On Line - Nos dá muita esperança
ter pessoas com seu bom coração e inteligência liderando Igrejas e religiões
importantes. Para construir a sociedade em que todos querem viver, é necessário
superar as diferenças e crenças que os seres humanos possuem e trabalhar juntos
na edificação de um Mundo de paz.
Pastor Balnires Jr. - Sobre essa questão, a
bíblia apresenta-nos a seguinte recomendação: “segui a paz com todos...”. Não é
segui a paz com quem professa a mesma fé que você, ou torce pelo mesmo time de
futebol, ou tem a mesma visão política. Segue a paz como alguém que busca a
harmonia, como alguém que tem um espírito pacífico. Os relacionamentos humanos
melhoram quando nos propomos a viver dessa maneira. Você pode, assim como eu,
professar a sua fé, ter as suas convicções, até mesmo compartilhar com os
outros a sua crença, mas de uma forma educada, respeitosa e fraterna.
Nova Voz On Line - Na fã page do Facebook
da Igreja que pastoreia - Presbiteriana da Vila Valqueire - tem no espaço
principal o seguinte aviso: PROIBIDA ENTRADA DE PESSOAS PERFEITAS. Pode nos
explicar o porquê?
Pastor Balnires Jr. - Essa é uma frase
provocativa que serve como um convite à reflexão individual. Dietrich
Bonhoeffer, teólogo alemão luterano, membro da resistência alemã antinazista e
fundador da Igreja Confessante, ala da igreja evangélica contrária à política
nazista, certa vez escreveu: “A desilusão com a igreja local é algo bom, porque
destrói nossas falsas expectativas de perfeição. Quanto mais rápido
renunciarmos à ilusão de que uma igreja deve ser perfeita para que a amemos,
mais rápido deixaremos de fingir e admitiremos que somos todos imperfeitos e
precisamos da graça. Esse é o início da verdadeira comunidade.” Apesar da
recomendação de Jesus para que sejamos perfeitos como perfeito é o Pai
celestial, compreendemos que essa perfeição não é um status quo ao
qual se chega, mas um caminho do qual nunca se desiste.
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