O Economista, Dr. André Nassif, é Itaocarense, e professor-associado do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: andrenassif27@gmail.com |
O tripé
macroeconômico (metas de inflação, superávits fiscais primários e regime de
câmbio flutuante), introduzido em 1999, transformou-se no Santo Graal da
política econômica brasileira. Alinhado com o modelo teórico do Novo Consenso
Macroeconômico, hegemônico na academia até a crise global de 2008, sua base analítica
assenta-se em três proposições:
01 - Com abertura ao movimento de
capitais, taxas de câmbio flexíveis proporcionariam o equilíbrio do balanço de
pagamentos, conferindo independência ao banco central para fixar as taxas de
juros de curto prazo;
02 - A política fiscal não deveria ser
usada para assegurar o pleno-emprego mesmo em situações de depressão econômica,
porque, de acordo com a hipótese da austeridade fiscal expansionista, compromissos
com ajustes fiscais permanentes sustentariam a confiança dos credores quanto à
capacidade de solvência da dívida pública, ampliando o espaço para manter
reduzidas as taxas de juros reais e incrementar o investimento privado;
03 - Um regime de metas de inflação
ancoraria a estabilização das expectativas futuras de aumento de preços e da
própria inflação observada, proporcionando, simultaneamente, a estabilização do
nível de produto real com o pleno-emprego. Ou seja, estabilizar a inflação
seria o mesmo que assegurar o crescimento econômico e o pleno-emprego.
O comportamento da economia brasileira
desde 1999 não confirma tais preceitos teóricos. Independentemente da política
fiscal menos ou mais expansionista, o Banco Central do Brasil não tem tido total
autonomia para fixar a taxa de juros de curto prazo visando à estabilidade
monetária no longo prazo. Isso porque, nas fases de elevada liquidez
internacional, mesmo que o diferencial entre as taxas de juros domésticas e
internacionais caia, entradas excessivas de capitais de curto prazo em busca de
prêmios de liquidez mais elevados acabam por apreciar demasiadamente a moeda
doméstica em termos reais. Com isso, a taxa de inflação converge
temporariamente para a meta, porém à custa de déficits em conta-corrente crescentes
e insustentáveis no médio prazo.
Qualquer reversão do ciclo financeiro
internacional provoca fugas repentinas de capitais e o acirramento das posições
compradas nos mercados futuros de câmbio, desdobrando-se em ciclos curtos, mas
intensos de depreciação do real brasileiro e, em face do impacto sobre a
inflação, em novos aumentos da taxa de juros básica. Com isso, a inflação no
Brasil não é explicada apenas por problemas de expectativas desancoradas ou excesso
de demanda agregada, mas também pela inconsistência do regime macroeconômico.
Seria Melhor Revogar a Emenda do Teto, substituindo-a
por uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo
Frente aos efeitos deletérios das
elevadas taxas de juros reais e da tendência recorrente de apreciação do real, no
longo prazo o tripé macroeconômico não proporciona nem a estabilidade de preços
nem o crescimento econômico sustentável no Brasil.
Como discutido em livro recente¹, após
a crise global de 2008 o Novo Consenso Macroeconômico passou a ser considerado
“velho” no debate econômico nos Estados Unidos, uma vez que há concordância com
que a política fiscal, embora deva se pautar pelo equilíbrio orçamentário ao
longo dos ciclos expansivos, deve ser ativada, de forma contracíclica, nas
fases de forte recessão ou lenta recuperação econômica, ao passo que a política
monetária não deve se limitar ao objetivo exclusivo de assegurar a estabilidade
de preços por meio da taxa de juros nominal de curto prazo como único
instrumento de política. No Brasil, entretanto, como mostramos em artigo
acadêmico no prelo², os policy-makers continuam presos à armadilha do tripé
macroeconômico, que, como subproduto do Novo Consenso, não é utilizado em
nenhum país do mundo.
Para que o objetivo de perseguir a
estabilidade monetária não comprometa o de assegurar o crescimento econômico no
Brasil, será preciso que o governo redesenhe o regime macroeconômico vigente. No
âmbito da política fiscal, a melhor opção seria, tão logo aprovada a reforma da
previdência (eliminados seus aspectos socialmente inaceitáveis), negociar com o
Congresso Nacional a revogação imediata da Emenda do Teto, substituindo-a por
uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo que contemple, simultaneamente, o
ajuste pelo lado das despesas e receitas correntes, mas criando válvulas de
escape para que os investimentos governamentais aumentem como proporção do PIB.
Com respeito à política monetária, o
Brasil deveria se espelhar na experiência da maioria dos países que adotam
metas de inflação, mudando seu modus operandi. Como sugeriu Janet Yellen³,
países com regimes de metas de inflação devem se pautar por metas flexíveis,
perseguindo mais de um objetivo e utilizando mais de um instrumento de política
econômica. Diferentemente da maioria dos países que adotam metas de inflação, o
Brasil é um dos poucos que persegue a meta apenas ao longo de um ano-calendário,
quando a maioria adota um horizonte temporal de entre 3 e 5 anos. A ampliação
do timing para atingir a meta proporcionaria maior autonomia ao Banco Central
do Brasil para manter as taxas de juros reais em níveis estruturalmente mais
baixos, satisfeitas as demais condições estruturais para assegurar este último
objetivo.
Por fim, diferentemente dos países
desenvolvidos, que, por deterem moedas conversíveis no topo da pirâmide
hierárquica de moedas, podem se dar ao luxo de subordinar a política cambial a
todos os demais instrumentos de política econômica, o Brasil precisa seguir o
exemplo dos países asiáticos e, uma vez que a taxa de câmbio tenha alcançado
seu nível de equilíbrio de longo prazo, como parece ser a situação atual, introduzir
mecanismos mais eficazes para impedir a tendência recorrente de apreciação do
real brasileiro em termos reais. O cardápio de instrumentos varia dos
mecanismos ordinários de intervenção nos mercados à vista e futuro, passando
por medidas macroprudenciais, à adoção de controles de capitais, os quais,
embora considerados heréticos no passado, contam agora com o beneplácito até de
órgãos insuspeitos como o Fundo Monetário Internacional.
1 - Akerlof,
George., Blanchard, Olivier., Romer, David. e Stiglitz, Joseph. What have we
learned? Macroeconomic policy after the crisis. Cambridge, Ma: The MIT Press,
2014.
2 - Nassif,
André, Feijó, Carmem. e Araújo, Eliane. “Macroeconomic policies in Brazil
before and after the 2008 global financial crisis: Brazilian policy-makers
still trapped in the New Macroeconomic Consensus. Cambridge Journal of
Economics, 2019, no prelo.
3
Yellen, Janet. “Many Targets, many instruments: where do we stand?” In: G.
Akerlof, O. Blanchard, D. Romer e J. Stiglitz, op. cit., 2014.
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