O Itaocarense, Dr. André Nassif, é um dos
principais nomes da economia brasileira. Não é à toa que ele acertou em cheio,
na previsão do crescimento de 2019, em torno de 1%, feita em Abril do ano
passado. Pedimos então que ele nos falasse sobre sua visão do Brasil em 2020.
Nascido no Engenho Central, em Itaocara, Dr. André Nassif é atualmente um dos mais respeitados economistas do Brasil |
Nova
Voz ONLINE
– Em abril de 2019, a Nova Voz ONLINE lhe perguntou: “como economista, concorda com as previsões sobre crescimento do
Brasil neste ano? O Itaú, por exemplo, diminuiu sua projeção de 2% para 1.3%. E
no dia 28 de Março, o próprio Banco Central, reduziu a previsão de crescimento
de 2.4% para 2%. É isto? O marasmo, o andar de lado, vai continuar?”, você Respondeu:
- Não acredito que a economia
brasileira cresça mais do que 1% este ano (2019), por uma razão simples: para
haver crescimento, é preciso haver recuperação da demanda agregada, seja do
consumo das famílias, do investimento das empresas, os gastos do governo e das
exportações. No caso do consumo e do investimento, não é possível esperar
grande incremento, por causa do enorme desemprego e queda da renda (caso do
consumo) e da grande capacidade ociosa das empresas, sobretudo dos setores
industrial e de serviços (caso do investimento). No caso da demanda do governo,
tampouco se pode esperar que maior crescimento venha daí, por conta da política
de ajuste fiscal; desde 2017, o que tem garantido algum crescimento, ainda
assim pífio, é o incremento das exportações e não será muito diferente este
ano, a não ser que haja alguma crise na economia mundial, o que, felizmente,
parece estar fora do radar (pelo menos neste ano)
Ainda
não há um número oficial, mas tudo indica que sua previsão de crescimento, em
torno de 1%, vai se cumprir. Então a pergunta óbvia é: qual sua previsão para
o crescimento do PIB 2020? O Banco Central trabalha com 2.4% de crescimento do
PIB. Acha que isto é possível?
Dr.
André Nassif
- Cenários de curto (1 ano), médio (entre 1 e 5 anos) e longo prazos (além de 5
anos) são necessários para nortear o planejamento e a decisão dos agentes
econômicos (famílias, empresas e governo). Mas eles são sempre baseados em
premissas e hipóteses. Ou seja, dependem do se... Por isso, nós, os economistas, somos péssimos para acertar previsões. Isso não significa incompetência, mas
sim o fato de que não é possível mensurar probabilisticamente o futuro.
Nova
Voz ONLINE
– Mesmo assim, oito meses antes de fechar o ano, você acertou!
Dr.
André Nassif
- De todo modo, o crescimento econômico pode ser maior, igual, menor ou até
muito menor do que os 2,3% previstos pelo Banco Central. Mas o crescimento de
2,3% depende de diversos “ses”: sabe-se que a ameaça de retomada do crescimento
no último trimestre de 2019 deveu-se basicamente ao fato de que, finalmente, a
equipe econômica (leia-se, a equipe de Paulo Guedes e o staff do Banco Central
do Brasil) entendeu que o principal problema de curto prazo da economia
brasileira não está relacionado ao lado da oferta (esta vai ajudar a resolver
problemas de longo prazo), mas ao lado da demanda agregada.
Nova Voz ONLINE – Como assim?
Dr.
André Nassif
- Falta demanda agregada privada (consumo das famílias e investimento das
empresas), porque há enorme ociosidade dos fatores de produção (empresas
operando ainda bem abaixo da capacidade instalada e enorme desemprego). Assim,
finalmente, o governo adotou algumas medidas corretas, destacando-se uma queda
mais acelerada das taxas de juros (afinal, a inflação vem rodando abaixo do
centro da meta há mais de 3 anos e não há risco inflacionário no curto prazo,
exceto com respeito a eventuais desdobramentos da crise deflagrada pelo ataque
americano ao militar iraniano sobre os preços do petróleo) e, principalmente, a
medida de saque das contas ativas do FGTS. O governo, sem querer admitir
(porque é, no discurso, ultraliberal), adotou medidas econômicas keynesianas,
de estímulo à demanda agregada (neste caso, de estímulo ao consumo das
famílias).
Nova
Voz ONLINE
– Entendo.
Dr.
André Nassif
- Agora, o problema é que a taxa de variação do investimento ainda está muito
errática, ora cresce, ora desacelera. Em suma, garantir crescimento em torno ou
acima de 2,3% dependerá, fundamentalmente, do comportamento do investimento (do
lado doméstico) e do cenário global (do lado externo). Eu arriscaria a dizer
que, se o governo não adotar medidas mais firmes para induzir, via investimento
público em infraestrutura, o crescimento dos investimentos privados, este
cenário relativamente mais otimista, pode, novamente se frustrar.
Nova
Voz ONLINE
– A Reforma da Previdência passou no Congresso Nacional. Isto era considerado
algo fundamental, para dar um sinal ao mercado e este iniciasse um processo de
novos investimentos. Dito isto:
a) O crescimento
da Bolsa de Valores em 2019, com recorde de pontos, veio em função desta
reforma?
Dr.
André Nassif
- Certamente, a valorização média de cerca de 32% do IBOVESPA em 2019 refletiu
maior confiança do mercado financeiro com a gestão liberal de Guedes, em que
pese a gestão precária do governo em outras áreas cruciais, como a educação, a
saúde, a cultura e a gestão ambiental. Assim, é evidente que a reforma da
Previdência contribuiu, mas não creio que tenha sido o fator mais importante,
porque, a partir do segundo semestre de 2019, o mercado já havia dado como
favas contadas a aprovação da referida reforma. Na linguagem do mercado, a
partir do segundo semestre de 2019, a reforma da previdência já estava
precificada.
“O Marketing da Fadinha
da Confiança,
a ideia de que num passe de mágica o crescimento ocorra,
não
funciona no Mundo da Economia Real”
Nova
Voz ONLINE
– O que aconteceu então?
Dr.
André Nassif
- Na realidade, o movimento da Bolsa de Valores do Brasil, em virtude das
características do mercado de capitais do país, tem comportamento mais
fortemente especulativo do que as bolsas de valores dos principais centros
financeiros globais (como as de Nova Iorque, Londres e Frankfurt). Ou seja,
aqui o comportamento tende a ser mais volátil, porque os movimentos refletem
muito mais acertos de posições no mercado secundário do que subscrição primária
de ações visando ao financiamento de longo prazo das companhias. Além disso, o
vaivém do mercado aqui é fortemente influenciado pelo comportamento das bolsas
nos demais mercados globais.
b) Na economia
real, não se sentiram muitos efeitos (da aprovação da reforma). Acredita que este
crescimento venha acontecer, no dia a dia das pessoas, durante o ano de 2020?
Dr.
André Nassif
- Não sentiu, porque o governo, sob o beneplácito do mercado financeiro, tentou
fazer um marketing equivocado de que, aprovada a reforma da previdência, viria
a “fadinha da confiança” (expressão usada por Paul Krugman para se referir a
esse tipo de marketing governamental ou de certas correntes econômicas mais
liberais) que, num passe de mágica, faria com que o crescimento econômico
ocorresse como se fosse um deus ex-machina. Só que, no mundo real, as
coisas são bem diferentes.
Nova
Voz ONLINE
– O que fazer então?
Dr.
André Nassif
- Não basta só melhorar a confiança. É preciso que tal otimismo se difunda para
toda a sociedade (em especial para a classe empresarial, que produz bens e
serviços, e não fica apenas tomando decisões de cunho especulativo),
induzindo-a a ampliar os gastos. Os empresários só serão fadados a ampliar a
produção de bens e serviços se observarem sinais concretos de que conseguirão
vendê-los com lucro. Então, não basta apenas as reformas do lado da oferta
(previdência, tributária, melhora do ambiente de negócios, dentre outras), as
quais, certamente ampliarão a perspectiva para sustentar o crescimento, quando
ele, de fato, ocorrer. Mas elas não são o fator mais importante para a retomada
no curto prazo. Esta depende do crescimento da demanda agregada,
especificamente de saber se o consumo das famílias e, principalmente, o
investimento, crescerão a taxas mais aceleradas do que as observadas até o
presente.
Nova
Voz ONLINE
– O brasileiro e a brasileira vai sentir essa melhora no dia a dia em 2020?
Dr.
André Nassif
- Se a sociedade sentirá tal melhora (na hipótese de que Brasil cresça em torno
de 2%) dependerá basicamente da redução do desemprego, cuja taxa continua acima
de 11% e de melhoras concretas em outras áreas, com saúde e mobilidade urbana.
No caso do desemprego, o crescimento de 2% não assegura que ele cairá para
níveis muito abaixo de 10% até o final de 2020, porque parte do crescimento do
emprego recente diz respeito à mão de obra mais informal, incluindo os
trabalhadores por conta própria, ainda que relativos a um trabalho precarizado
(a chamada “uberização”).
O Fiasco do Leilão do Pré Sal
Nova
Voz ONLINE
– Outra decepção foi o leilão do Pré sal. Qual foi o por quê da avaliação do
Governo estar tão errada? Lembrando: a expectativa era arrecadar 170 bilhões e
o número atingido foi inferior a 70 bilhões. Mesmo assim, a Petrobrás arrematou
praticamente tudo. A presença de estrangeiros foi ínfima. O que aconteceu?
Dr.
André Nassif
- O mercado de petróleo vem sofrendo mudanças profundas a partir da última
década, em virtude de dois fatores: o primeiro, o domínio tecnológico nos
Estados Unidos para exploração do chamado petróleo de xisto; e segundo, a
pressão da sociedade global pelo paulatino avanço da utilização de fontes
energéticas renováveis que evitem a emissão de gases de carbono e minorem a
poluição ambiental. Enquanto o segundo fator terá implicação sobre o mercado de
petróleo no longuíssimo prazo (por exemplo, no futuro, é possível que só
circulem automóveis movidos à eletricidade ou à combinação desta com outro
combustível não derivado de petróleo), o segundo fator já é um fato que vem
sinalizando queda dos preços do petróleo no longo prazo.
Nova
Voz ONLINE
– É isto que se tem sentido?
Dr.
André Nassif
- Os Estados Unidos, depois da descoberta de petróleo de xisto, tornaram-se um
país exportador de petróleo. Isso reduz a dependência internacional do cartel
da OPEP. O que isso tem a ver com os leilões do pré-sal? Que é altamente
arriscado entrar de sola num mercado com montante de capital inicial de entre 5
a 10 bilhões de dólares (dependendo do campo arrematado) em que a rentabilidade
esperada pode não justificar tal apetite ao risco. Além disso, ao mercado
privado, interessa mais o sistema de concessão (em que as empresas firmam um
contrato que lhes garante o direito de exploração mediante o pagamento de
royalties à União) que o sistema de partilha (como é o sistema atual no
pré-sal, mediante o qual, como o nome sugere, parte dos lucros é totalmente
assegurada à União). Acontece que o que é bom para o mercado pode não ser bom
para o Brasil.
Nova
Voz ONLINE
– A mudança é um erro?
Dr.
André Nassif
- O Brasil não deveria alterar o sistema de partilha para o de concessão, mas
mirar no exemplo da Noruega e formar um fundo bilionário ou quiçá trilionário
(como é o caso da Noruega), formado para evitar que o petróleo no país vire uma
“maldição dos recursos naturais” (como é o caso dos países árabes exportadores,
em que o petróleo impediu a diversificação das economias para a indústria de
bens tecnologicamente sofisticados) e, principalmente, para revolucionar o
sistema de infraestrutura física (ferrovias, rodovias, portos, logística) e
humana (educação e saúde). Por enquanto, não vemos qualquer sinal do governo
nessa direção, pois quando se fala em leilões do Pré-sal, só se aponta o
objetivo de arrecadação imediata para reduzir a dívida pública. O mal do Brasil
continua sendo mirar o curto-prazismo, e não o futuro das gerações.
A Relação Política do
Governo com o Congresso
Governo com o Congresso
Nova
Voz ONLINE
– Durante a Reforma da Previdência, muita gente percebeu um protagonismo maior
do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do que do Presidente Bolsonaro. Tempos
depois, aconteceu o atrito no partido do Governo, PSL, que deve inclusive gerar
outro partido, para que a base governista se filie. A pergunta é: a
incapacidade do Governo de ter uma base política coesa no Congresso é o que
está atrapalhando o crescimento da economia?
Dr.
André Nassif
- No início da gestão Bolsonaro, parecia que a renúncia à negociação com o
Congresso iria comprometer a gestão política e econômica do governo,
inviabilizando sua continuidade, pelo menos sob a ótica democrática. No
entanto, logo os presidentes da Câmara e do Senado assumiram o protagonismo
numa espécie de acordo tácito mais ou menos assim: vocês (o executivo federal)
fingem que estão adotando as medidas econômicas de ajuste da economia, mas nós
é que vamos, na prática, levar isso adiante.
Nova
Voz ONLINE
– Bem observado!
Dr.
André Nassif
- E assim tem sido, mas com uma ressalva: o governo, desde o início, mantém o
discurso de que não pratica o “é dando (cargos ou verbas) que se recebe”, mas,
na prática, foi isso que ocorreu. Isso não significa que o governo tem sido
complacente com corrupção, mas que ele próprio tenta passar para a sociedade a
ideia equivocada de que negociar com o Congresso Nacional, que representa esta
mesma sociedade - inclusive com a
participação de técnicos indicados pelos seus representantes para cargos no
segundo e terceiro escalões (desde que estes passem pelo filtro do mérito e da
reputação ilibada) -, significa compactuar com práticas ilícitas. E negociar
com o Congresso dessa forma não é prática ilícita em nenhum país do mundo.
Nova Voz ONLINE – O Congresso tem
feito bem seu papel então?
Dr.
André Nassif
- Acho que o Congresso tem sido importante, até para frear as medidas
ultraliberais de Guedes (por exemplo, não faz sentido taxar seguro-desemprego),
as quais só seriam possíveis de serem implementadas integralmente num governo
ditatorial.
Relação com a Argentina
e Paulo Guedes
e Paulo Guedes
Nova
Voz ONLINE
– Outro atrito perigoso para 2020 está na relação comercial com a Argentina. Lemos
nos jornais, que algo como 80% das exportações de produtos manufaturados do
Brasil vão para o país portenho. Mesmo assim, a relação política com nossos
vizinhos nunca foi tão ruim. Se o Presidente Fernandez resolver comprar os
produtos que compra do Brasil noutros países, que consequências vão ser
sentidas em nosso país?
Dr.
André Nassif
- Não creio que as relações comerciais entre Argentina e Brasil sejam rompidas
abruptamente, por duas razões: não interessa economicamente a ambos que tal
rompimento ocorra, pois, afinal, não se substituem parceiros comerciais da
noite para o dia; e tal rompimento só seria possível com a aprovação dos
Legislativos dos dois países. Aparentemente, o novo governo da Argentina parece
fazer todos os movimentos para evitar que essa relação se deteriore. Mais até
que o governo brasileiro.
Nova
Voz ONLINE
– Em alguns momentos o Ministro Paulo Guedes parece atuar mais como alguém com
crenças absolutas, sem a capacidade de compreender a volatilidade dos problemas
de dirigir uma grande economia, como o Brasil. Se tivermos outro crescimento do
PIB pífio, em 2020, acha que mesmo assim ele se manterá no posto?
Dr.
André Nassif
- A manutenção de Guedes dependerá dos resultados econômicos em 2020. Se o
crescimento continuar pífio, na casa de 1% (com crescimento populacional de
0,8%, isso significa crescimento quase nulo da renda per capita), acho pouco
provável que continue. Mas se isso acontecer, haverá forte turbulência no
mercado. Afinal, Guedes tornou-se o queridinho do mercado financeiro. Diante de
eventual queda dele, o mercado especulará: será que Bolsonaro conseguiria outro
“Posto Ipiranga”, ou seja, outro economista alinhado com o credo ultraliberal?
Nova
Voz ONLINE
– Para fechar, o que vê de positivo e o que vê negativo, no cenário econômico
brasileiro em 2020?
Dr.
André Nassif
- Positivo: o governo aposta todas as fichas no ajuste econômico no curto prazo
e isso vem, aparentemente, dando certo. O problema é que as aparências podem
enganar.
Negativo: a falta de planejamento
econômico no longo prazo, decorrente da ideologia equivocada de que os mercados
resolverão, sozinhos, os problemas do Brasil (crescimento, distribuição de
renda, educação, saúde, cultura, etc.). Nos países desenvolvidos e na maior
parte da Ásia, os governos já estão planejando como reagir aos impactos
decorrentes da chamada 4ª revolução industrial, que trará mudanças ainda mais
profundas no cenário econômico, social e cultural do que as que já ocorreram na
3ª revolução industrial, com a microeletrônica e a internet. A 4ª revolução
industrial vem sendo comandada pela inteligência artificial, robótica e
internet das coisas (os bens materiais serão comandados pela internet, tipo você
poderá dar comando para seu aspirador de pó fazer a limpeza da casa). São
tecnologias radicais e disruptivas, que eliminarão empregos e atividades
econômicas inteiras. O Brasil, de certa forma, ainda está bem atrasado,
fortemente alinhado com a 2ª revolução industrial, que deu a tônica do
crescimento do mundo e do país até o final da década de 1970. De lá para cá,
fizemos poucos avanços e isso é preocupante.
Brilhante desenvolvimento do pensamento.
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