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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Após acertar a previsão sobre o crescimento do PIB 2019, Dr. André Nassif fala sobre a Economia em 2020

O Itaocarense, Dr. André Nassif, é um dos principais nomes da economia brasileira. Não é à toa que ele acertou em cheio, na previsão do crescimento de 2019, em torno de 1%, feita em Abril do ano passado. Pedimos então que ele nos falasse sobre sua visão do Brasil em 2020.
Nascido no Engenho Central, em Itaocara, Dr. André Nassif é atualmente um dos mais respeitados economistas do Brasil
Nova Voz ONLINE – Em abril de 2019, a Nova Voz ONLINE lhe perguntou: como economista, concorda com as previsões sobre crescimento do Brasil neste ano? O Itaú, por exemplo, diminuiu sua projeção de 2% para 1.3%. E no dia 28 de Março, o próprio Banco Central, reduziu a previsão de crescimento de 2.4% para 2%. É isto? O marasmo, o andar de lado, vai continuar?, você Respondeu:
- Não acredito que a economia brasileira cresça mais do que 1% este ano (2019), por uma razão simples: para haver crescimento, é preciso haver recuperação da demanda agregada, seja do consumo das famílias, do investimento das empresas, os gastos do governo e das exportações. No caso do consumo e do investimento, não é possível esperar grande incremento, por causa do enorme desemprego e queda da renda (caso do consumo) e da grande capacidade ociosa das empresas, sobretudo dos setores industrial e de serviços (caso do investimento). No caso da demanda do governo, tampouco se pode esperar que maior crescimento venha daí, por conta da política de ajuste fiscal; desde 2017, o que tem garantido algum crescimento, ainda assim pífio, é o incremento das exportações e não será muito diferente este ano, a não ser que haja alguma crise na economia mundial, o que, felizmente, parece estar fora do radar (pelo menos neste ano)

Ainda não há um número oficial, mas tudo indica que sua previsão de crescimento, em torno de 1%, vai se cumprir. Então a pergunta óbvia é: qual sua previsão para o crescimento do PIB 2020? O Banco Central trabalha com 2.4% de crescimento do PIB. Acha que isto é possível?
Dr. André Nassif - Cenários de curto (1 ano), médio (entre 1 e 5 anos) e longo prazos (além de 5 anos) são necessários para nortear o planejamento e a decisão dos agentes econômicos (famílias, empresas e governo). Mas eles são sempre baseados em premissas e hipóteses. Ou seja, dependem do se... Por isso, nós, os economistas, somos péssimos para acertar previsões. Isso não significa incompetência, mas sim o fato de que não é possível mensurar probabilisticamente o futuro.

Nova Voz ONLINE – Mesmo assim, oito meses antes de fechar o ano, você acertou!
Dr. André Nassif - De todo modo, o crescimento econômico pode ser maior, igual, menor ou até muito menor do que os 2,3% previstos pelo Banco Central. Mas o crescimento de 2,3% depende de diversos “ses”: sabe-se que a ameaça de retomada do crescimento no último trimestre de 2019 deveu-se basicamente ao fato de que, finalmente, a equipe econômica (leia-se, a equipe de Paulo Guedes e o staff do Banco Central do Brasil) entendeu que o principal problema de curto prazo da economia brasileira não está relacionado ao lado da oferta (esta vai ajudar a resolver problemas de longo prazo), mas ao lado da demanda agregada.
Nova Voz ONLINE – Como assim?
Dr. André Nassif - Falta demanda agregada privada (consumo das famílias e investimento das empresas), porque há enorme ociosidade dos fatores de produção (empresas operando ainda bem abaixo da capacidade instalada e enorme desemprego). Assim, finalmente, o governo adotou algumas medidas corretas, destacando-se uma queda mais acelerada das taxas de juros (afinal, a inflação vem rodando abaixo do centro da meta há mais de 3 anos e não há risco inflacionário no curto prazo, exceto com respeito a eventuais desdobramentos da crise deflagrada pelo ataque americano ao militar iraniano sobre os preços do petróleo) e, principalmente, a medida de saque das contas ativas do FGTS. O governo, sem querer admitir (porque é, no discurso, ultraliberal), adotou medidas econômicas keynesianas, de estímulo à demanda agregada (neste caso, de estímulo ao consumo das famílias).

Nova Voz ONLINE – Entendo.
Dr. André Nassif - Agora, o problema é que a taxa de variação do investimento ainda está muito errática, ora cresce, ora desacelera. Em suma, garantir crescimento em torno ou acima de 2,3% dependerá, fundamentalmente, do comportamento do investimento (do lado doméstico) e do cenário global (do lado externo). Eu arriscaria a dizer que, se o governo não adotar medidas mais firmes para induzir, via investimento público em infraestrutura, o crescimento dos investimentos privados, este cenário relativamente mais otimista, pode, novamente se frustrar.

Nova Voz ONLINE – A Reforma da Previdência passou no Congresso Nacional. Isto era considerado algo fundamental, para dar um sinal ao mercado e este iniciasse um processo de novos investimentos. Dito isto:
a) O crescimento da Bolsa de Valores em 2019, com recorde de pontos, veio em função desta reforma?
Dr. André Nassif - Certamente, a valorização média de cerca de 32% do IBOVESPA em 2019 refletiu maior confiança do mercado financeiro com a gestão liberal de Guedes, em que pese a gestão precária do governo em outras áreas cruciais, como a educação, a saúde, a cultura e a gestão ambiental. Assim, é evidente que a reforma da Previdência contribuiu, mas não creio que tenha sido o fator mais importante, porque, a partir do segundo semestre de 2019, o mercado já havia dado como favas contadas a aprovação da referida reforma. Na linguagem do mercado, a partir do segundo semestre de 2019, a reforma da previdência já estava precificada.

“O Marketing da Fadinha da Confiança, 
a ideia de que num passe de mágica o crescimento ocorra, 
não funciona no Mundo da Economia Real”

Nova Voz ONLINE – O que aconteceu então?
Dr. André Nassif - Na realidade, o movimento da Bolsa de Valores do Brasil, em virtude das características do mercado de capitais do país, tem comportamento mais fortemente especulativo do que as bolsas de valores dos principais centros financeiros globais (como as de Nova Iorque, Londres e Frankfurt). Ou seja, aqui o comportamento tende a ser mais volátil, porque os movimentos refletem muito mais acertos de posições no mercado secundário do que subscrição primária de ações visando ao financiamento de longo prazo das companhias. Além disso, o vaivém do mercado aqui é fortemente influenciado pelo comportamento das bolsas nos demais mercados globais.

b) Na economia real, não se sentiram muitos efeitos (da aprovação da reforma). Acredita que este crescimento venha acontecer, no dia a dia das pessoas, durante o ano de 2020?
Dr. André Nassif - Não sentiu, porque o governo, sob o beneplácito do mercado financeiro, tentou fazer um marketing equivocado de que, aprovada a reforma da previdência, viria a “fadinha da confiança” (expressão usada por Paul Krugman para se referir a esse tipo de marketing governamental ou de certas correntes econômicas mais liberais) que, num passe de mágica, faria com que o crescimento econômico ocorresse como se fosse um deus ex-machina. Só que, no mundo real, as coisas são bem diferentes.
Dr. André Nassif participou, ao lado do ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, da 23º Conferência de Macroeconomia, do Fórum de Políticas Macroeconômicas, na cidade de Berlim, na Alemanha, em outubro do ano de 2019
Nova Voz ONLINE – O que fazer então?
Dr. André Nassif - Não basta só melhorar a confiança. É preciso que tal otimismo se difunda para toda a sociedade (em especial para a classe empresarial, que produz bens e serviços, e não fica apenas tomando decisões de cunho especulativo), induzindo-a a ampliar os gastos. Os empresários só serão fadados a ampliar a produção de bens e serviços se observarem sinais concretos de que conseguirão vendê-los com lucro. Então, não basta apenas as reformas do lado da oferta (previdência, tributária, melhora do ambiente de negócios, dentre outras), as quais, certamente ampliarão a perspectiva para sustentar o crescimento, quando ele, de fato, ocorrer. Mas elas não são o fator mais importante para a retomada no curto prazo. Esta depende do crescimento da demanda agregada, especificamente de saber se o consumo das famílias e, principalmente, o investimento, crescerão a taxas mais aceleradas do que as observadas até o presente.

Nova Voz ONLINE – O brasileiro e a brasileira vai sentir essa melhora no dia a dia em 2020?
Dr. André Nassif - Se a sociedade sentirá tal melhora (na hipótese de que Brasil cresça em torno de 2%) dependerá basicamente da redução do desemprego, cuja taxa continua acima de 11% e de melhoras concretas em outras áreas, com saúde e mobilidade urbana. No caso do desemprego, o crescimento de 2% não assegura que ele cairá para níveis muito abaixo de 10% até o final de 2020, porque parte do crescimento do emprego recente diz respeito à mão de obra mais informal, incluindo os trabalhadores por conta própria, ainda que relativos a um trabalho precarizado (a chamada “uberização”).

O Fiasco do Leilão do Pré Sal

Nova Voz ONLINE – Outra decepção foi o leilão do Pré sal. Qual foi o por quê da avaliação do Governo estar tão errada? Lembrando: a expectativa era arrecadar 170 bilhões e o número atingido foi inferior a 70 bilhões. Mesmo assim, a Petrobrás arrematou praticamente tudo. A presença de estrangeiros foi ínfima. O que aconteceu?
Dr. André Nassif - O mercado de petróleo vem sofrendo mudanças profundas a partir da última década, em virtude de dois fatores: o primeiro, o domínio tecnológico nos Estados Unidos para exploração do chamado petróleo de xisto; e segundo, a pressão da sociedade global pelo paulatino avanço da utilização de fontes energéticas renováveis que evitem a emissão de gases de carbono e minorem a poluição ambiental. Enquanto o segundo fator terá implicação sobre o mercado de petróleo no longuíssimo prazo (por exemplo, no futuro, é possível que só circulem automóveis movidos à eletricidade ou à combinação desta com outro combustível não derivado de petróleo), o segundo fator já é um fato que vem sinalizando queda dos preços do petróleo no longo prazo.
Nova Voz ONLINE – É isto que se tem sentido?
Dr. André Nassif - Os Estados Unidos, depois da descoberta de petróleo de xisto, tornaram-se um país exportador de petróleo. Isso reduz a dependência internacional do cartel da OPEP. O que isso tem a ver com os leilões do pré-sal? Que é altamente arriscado entrar de sola num mercado com montante de capital inicial de entre 5 a 10 bilhões de dólares (dependendo do campo arrematado) em que a rentabilidade esperada pode não justificar tal apetite ao risco. Além disso, ao mercado privado, interessa mais o sistema de concessão (em que as empresas firmam um contrato que lhes garante o direito de exploração mediante o pagamento de royalties à União) que o sistema de partilha (como é o sistema atual no pré-sal, mediante o qual, como o nome sugere, parte dos lucros é totalmente assegurada à União). Acontece que o que é bom para o mercado pode não ser bom para o Brasil.

Nova Voz ONLINE – A mudança é um erro?
Dr. André Nassif - O Brasil não deveria alterar o sistema de partilha para o de concessão, mas mirar no exemplo da Noruega e formar um fundo bilionário ou quiçá trilionário (como é o caso da Noruega), formado para evitar que o petróleo no país vire uma “maldição dos recursos naturais” (como é o caso dos países árabes exportadores, em que o petróleo impediu a diversificação das economias para a indústria de bens tecnologicamente sofisticados) e, principalmente, para revolucionar o sistema de infraestrutura física (ferrovias, rodovias, portos, logística) e humana (educação e saúde). Por enquanto, não vemos qualquer sinal do governo nessa direção, pois quando se fala em leilões do Pré-sal, só se aponta o objetivo de arrecadação imediata para reduzir a dívida pública. O mal do Brasil continua sendo mirar o curto-prazismo, e não o futuro das gerações. 

A Relação Política do 
Governo com o Congresso

Nova Voz ONLINE – Durante a Reforma da Previdência, muita gente percebeu um protagonismo maior do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do que do Presidente Bolsonaro. Tempos depois, aconteceu o atrito no partido do Governo, PSL, que deve inclusive gerar outro partido, para que a base governista se filie. A pergunta é: a incapacidade do Governo de ter uma base política coesa no Congresso é o que está atrapalhando o crescimento da economia?
Dr. André Nassif - No início da gestão Bolsonaro, parecia que a renúncia à negociação com o Congresso iria comprometer a gestão política e econômica do governo, inviabilizando sua continuidade, pelo menos sob a ótica democrática. No entanto, logo os presidentes da Câmara e do Senado assumiram o protagonismo numa espécie de acordo tácito mais ou menos assim: vocês (o executivo federal) fingem que estão adotando as medidas econômicas de ajuste da economia, mas nós é que vamos, na prática, levar isso adiante.

Nova Voz ONLINE – Bem observado!
Dr. André Nassif - E assim tem sido, mas com uma ressalva: o governo, desde o início, mantém o discurso de que não pratica o “é dando (cargos ou verbas) que se recebe”, mas, na prática, foi isso que ocorreu. Isso não significa que o governo tem sido complacente com corrupção, mas que ele próprio tenta passar para a sociedade a ideia equivocada de que negociar com o Congresso Nacional, que representa esta mesma sociedade -  inclusive com a participação de técnicos indicados pelos seus representantes para cargos no segundo e terceiro escalões (desde que estes passem pelo filtro do mérito e da reputação ilibada) -, significa compactuar com práticas ilícitas. E negociar com o Congresso dessa forma não é prática ilícita em nenhum país do mundo.

Nova Voz ONLINE – O Congresso tem feito bem seu papel então?
Dr. André Nassif - Acho que o Congresso tem sido importante, até para frear as medidas ultraliberais de Guedes (por exemplo, não faz sentido taxar seguro-desemprego), as quais só seriam possíveis de serem implementadas integralmente num governo ditatorial.

Relação com a Argentina 
e Paulo Guedes

Nova Voz ONLINE – Outro atrito perigoso para 2020 está na relação comercial com a Argentina. Lemos nos jornais, que algo como 80% das exportações de produtos manufaturados do Brasil vão para o país portenho. Mesmo assim, a relação política com nossos vizinhos nunca foi tão ruim. Se o Presidente Fernandez resolver comprar os produtos que compra do Brasil noutros países, que consequências vão ser sentidas em nosso país?
Dr. André Nassif - Não creio que as relações comerciais entre Argentina e Brasil sejam rompidas abruptamente, por duas razões: não interessa economicamente a ambos que tal rompimento ocorra, pois, afinal, não se substituem parceiros comerciais da noite para o dia; e tal rompimento só seria possível com a aprovação dos Legislativos dos dois países. Aparentemente, o novo governo da Argentina parece fazer todos os movimentos para evitar que essa relação se deteriore. Mais até que o governo brasileiro.
Nova Voz ONLINE – Em alguns momentos o Ministro Paulo Guedes parece atuar mais como alguém com crenças absolutas, sem a capacidade de compreender a volatilidade dos problemas de dirigir uma grande economia, como o Brasil. Se tivermos outro crescimento do PIB pífio, em 2020, acha que mesmo assim ele se manterá no posto?
Dr. André Nassif - A manutenção de Guedes dependerá dos resultados econômicos em 2020. Se o crescimento continuar pífio, na casa de 1% (com crescimento populacional de 0,8%, isso significa crescimento quase nulo da renda per capita), acho pouco provável que continue. Mas se isso acontecer, haverá forte turbulência no mercado. Afinal, Guedes tornou-se o queridinho do mercado financeiro. Diante de eventual queda dele, o mercado especulará: será que Bolsonaro conseguiria outro “Posto Ipiranga”, ou seja, outro economista alinhado com o credo ultraliberal?

Nova Voz ONLINE – Para fechar, o que vê de positivo e o que vê negativo, no cenário econômico brasileiro em 2020?
Dr. André Nassif - Positivo: o governo aposta todas as fichas no ajuste econômico no curto prazo e isso vem, aparentemente, dando certo. O problema é que as aparências podem enganar.
Negativo: a falta de planejamento econômico no longo prazo, decorrente da ideologia equivocada de que os mercados resolverão, sozinhos, os problemas do Brasil (crescimento, distribuição de renda, educação, saúde, cultura, etc.). Nos países desenvolvidos e na maior parte da Ásia, os governos já estão planejando como reagir aos impactos decorrentes da chamada 4ª revolução industrial, que trará mudanças ainda mais profundas no cenário econômico, social e cultural do que as que já ocorreram na 3ª revolução industrial, com a microeletrônica e a internet. A 4ª revolução industrial vem sendo comandada pela inteligência artificial, robótica e internet das coisas (os bens materiais serão comandados pela internet, tipo você poderá dar comando para seu aspirador de pó fazer a limpeza da casa). São tecnologias radicais e disruptivas, que eliminarão empregos e atividades econômicas inteiras. O Brasil, de certa forma, ainda está bem atrasado, fortemente alinhado com a 2ª revolução industrial, que deu a tônica do crescimento do mundo e do país até o final da década de 1970. De lá para cá, fizemos poucos avanços e isso é preocupante.
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