Duas batalhas estão sendo travadas no
Brasil ao mesmo tempo: uma, na seara da medicina, contra a expansão do
coronavírus, e outra contra a desinformação produzida por ele. Enquanto na
linha de frente da primeira há milhares de aguerridos profissionais de saúde,
na segunda, o exército é composto por um grupo dedicado mas ainda reduzido de
checadores de fatos. Sem o apoio explícito e o comprometimento das autoridades
com a verdade, o país corre o risco de perder a guerra contra os boatos sobre a
Covid-19.
Desde 26 de fevereiro, quando o país
registrou o primeiro caso de coronavírus, os fact-checkers brasileiros já
identificaram mais de 100 informações falsas sobre a pandemia – mais de três
por dia.
De acordo com dados da base
internacional de checagens sobre o coronavírus mantida pela International
Fact-Checking Network, Facebook, WhatsApp e Twitter são os canais mais
utilizados para distribuir desinformação no Brasil, mas a lista completa é
longa.
O que aflige os checadores é constatar
que autoridades brasileiras, graças à influência de seus cargos, contribuem de
forma expressiva para o avanço da desinformação. Desde o início da pandemia,
políticos produziram, endossaram e compartilharam dados errados sobre vacinas,
distanciamento social e a origem do novo coronavírus. Também usaram dados
defasados e acabaram criando um ambiente de desconfiança econômica em que
florescem golpes digitais.
Ao dar voz, espaço, pixels, imagens e
caracteres a inverdades, as autoridades colocam em risco a vida dos
brasileiros. Monitoramento feito pelos checadores mostra que, ao fazer ou
compartilhar uma declaração falsa, autoridades têm conseguido inverter o sinal
da mensagem ou inflar o que chega à população.
A hidroxicloroquina é um exemplo. Ao
tratar como definitivos estudos ainda incipientes feitos com o medicamento,
políticos o elevaram à condição de cura para a Covid-19. Não demorou para que a
droga desaparecesse das farmácias, prejudicando os que, de fato, precisam dela,
e expondo a efeitos colaterais os que a ingeriram em busca de proteção contra o
novo coronavírus.
É urgente, portanto, que as
autoridades tenham responsabilidade ao falar sobre a pandemia. Que se
certifiquem de que o conteúdo a ser exposto tem base científica, é atual e se
refere ao local sobre o qual estão falando. Que cessem já os discursos
distorcidos, com contextos minimizados ou teses na contramão da ciência. O
ruído dessas falas já teve consequências dramáticas.
No Irã, mais de 40 pessoas morreram
envenenadas ao ingerir álcool puro para curar o coronavírus. No Reino Unido,
torres de celular foram queimadas por quem acredita que a Covid-19 vem do
sistema 5G de telefonia móvel. No Brasil, o isolamento social perde adesão ao
ser atacado por autoridades que desconsideram o que é adotado mundo afora.
A transparência em relação ao que se
sabe sobre a Covid-19 é inegociável. Cidadãos tomam decisões diárias com base
nesses dados. Eles precisam ser atuais, fidedignos e acessíveis a todos.
Os checadores do Brasil ressaltam
ainda que estão em contato permanente com as principais plataformas de
tecnologia e redes sociais do mundo, em um esforço conjunto contra a
desinformação. Seguirão denunciando publicamente comportamentos irresponsáveis
na divulgação ou na amplificação de discursos falsos sobre o coronavírus e a
Covid-19. Venham eles de autoridades ou não.
Agência
Lupa (Natália Leal) / Aos Fatos (Tai Nalon) / Boatos.org (Edgard Matsuki) /E-farsas (Gilmar Lopes) /
Estadão Verifica (Daniel Bramatti) / International Fact-Checking Network
(Cristina Tardáguila)
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