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segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Ana Luíza fala do aprendizado nos 4 anos vivendo em Berlim, na Alemanha, e dá dicas para quem pensa imigrar

Nova Voz ONLINE - São quatro anos de Alemanha. Valeu a pena? Por que?

Ana Luíza Policani Freitas - Claro que valeu! Quem me conhece desde criança sabe que meu sonho era morar fora. Os amigos e familiares mais próximos disseram para mim: “eu sabia que isso algum dia ia acontecer”.

Nova Voz ONLINE - Como é morar em Berlim? E já adianto que vou escrever com “m”, no final, por ser a grafia correta em português. Mas aposto que para você, Berlin é assim, com “n”, como a grafia correta em alemão (risos).

Ana Luíza Policani Freitas - Com N é claro (kkk). É claro que Berlin não é perfeita e nenhum lugar é, mas na prática, fatores como a segurança, a qualidade de vida, poder de compra, mais oportunidades na educação pública, saúde são coisas que eu infelizmente vejo no Brasil como intangíveis. Nisso o Brasil precisa evoluir não só nas questões políticas, mas  também no comportamento da sociedade em si.

Nova Voz ONLINE - Quais os aprendizados mais importante?

Ana Luíza Policani Freitas Tantos aprendizados, mas aqui eu destaco alguns.

1) Você e sua cultura não são o centro do mundo: Berlin é uma cidade Cosmopolita e você vai lidar no seu dia-a -dia não só com alemães, mas pessoas de outros países e com culturas muito diferentes. Com respeito mútuo, é possível uma boa relação de convivência e até criar bons laços de amizade.

2) Se você fala alemão, ou pelo menos tenta, o tratamento é melhor: pela diversidade de cultura e nacionalidades presentes em Berlin, é muito comum você encontrar pessoas que só falem em inglês e são um pouco relutantes para aprender o idioma. Entretanto, pude perceber que quem fala o idioma ou ao menos se esforça para falar e/ou aprender tem um tratamento melhor e até mesmo mais possibilidades no mercado de trabalho.

3) Há uma divisão de classes, mas não é tão discrepante como no Brasil, assim como o tratamento em relação às pessoas.

4) Há uma diferença muito sutil no tratamento dos imigrantes europeus e não europeus, principalmente nas instituições públicas. O imigrante não europeu que se veste de forma mais alinhado e falando pelo menos um pouco de alemão (aí faço uma conexão com o item 2) tem um tratamento melhor.

5) O trabalho manual como serviços de montagem de móveis, eletricista, encanador, assim como o intelectual, como o advogado, são valorizados. Você pode até fazer o orçamento, mas não existe esse “no precinho”, ou o “não pagar consulta” como no Brasil.

Ex-moradora de Niterói Ana Luíza adaptou-se em Berlim

Nova Voz ONLINE - O que foi mais difícil adaptar-se?

Ana Luíza Policani Freitas - Para mim foi em relação a adaptação do meu filho Arthur. Ele estudava em escola particular no Brasil e chegou aqui com 10 anos. A criança alemã com essa idade ou até com menos, têm grau de independência e autonomia do qual eu nunca tinha visto até então. Por conta da violência em Niterói ele era mais limitado. A criança alemã nessa idade, já está levantando, preparando o seu café, pegando bike, metrô e/ou trem, tudo sozinha, sem ajuda dos pais. Da mesma forma, elas têm autonomia para ir ao parque (público, não de condomínio fechado) para brincar e voltar, ir para os clubes, pegar as suas notas da escola e assinar o compromisso. Em alguns meses ele conseguiu, hoje está bem adaptado .

Nova Voz ONLINE - O período da Covid foi o mais difícil? Como foi?

Ana Luíza Policani Freitas - Com certeza foi! Nós gostamos muito de sair, passear, ver gente e movimento. O lockdown foi necessário, mas esse enclausuramento obrigatório não foi fácil, principalmente no período do Natal, que sempre nos reunimos com a comunidade brasileira, vizinhos indianos, com os amigos italianos. A questão das aulas on-line para o Arthur também foi algo estressante. Ele tinha pouco tempo de aula, mas muitas tarefas de casa. 

Vanderson fala das diferenças nas relações de trabalho

Nova Voz ONLINE - O que o Vanderson conta sobre a experiência dele na vida profissional?

Vanderson (Marido de Ana Luíza) - Minha experiência tem sido positiva até então, apesar de ser válido salientar, que o trabalhador de TI, como profissional altamente qualificado recebe um tratamento melhor em todo o mundo. Especificamente na Alemanha, as empresas daqui prezam mais pela estabilidade, onde não é incomum uma pessoa trabalhar a vida inteira numa única empresa. No meu tempo aqui, fui muito bem tratado por todas as empresas por onde passei, e mantenho boas relações com meu antigos chefes, onde já fui convidado mais de uma vez para as festas do meu primeiro trabalho aqui, mesmo já trabalhando em outro lugar. Gostaria de ver essa relação de cortesia entre as partes ser mais comum, pra falar a verdade.

Nova Voz ONLINE - Quais diferenças em relação ao ambiente de trabalho?

Ana Luíza Policani Freitas - Pelo o que percebi, as relações de trabalho não tem aquela influência da cultura escravocrata do Brasil, e o tratamento patrão-empregado acaba por ser mais respeitoso.

Vanderson - Ainda nesse assunto, a divisão entre vida pessoal e profissional é muito mais clara, resultando num ambiente de trabalho mais formal, onde apesar de ser mais difícil fazer mais amizades, os limites pessoais são mais respeitados. O ritmo de trabalho acaba sendo mais sossegado, e foi aqui que percebi que nós brasileiros trabalhamos demais, muito por influência do modelo Americano. Resumindo, aqui se trabalha pra viver, não se vive pra trabalhar.

Nova Voz ONLINE - Os serviços públicos realmente funcionam? Transporte, Saúde, Educação, Segurança... Como funcionam?

Ana Luíza Policani Freitas - Vamos por partes:

1) Transporte público: Funciona perfeitamente bem, a ponto de, se houver uma situação inesperada e ocorrer um atraso de 5 minutos, tem alemão reclamando na estação ou no ponto de ônibus. Tive oportunidade de ir a Roma e usar o transporte público: uma verdadeira catástrofe! Aguardamos 40 minutos no ponto de ônibus em frente ao Coliseu e quando chegou estava lotado. Quem sai da Alemanha e vai para Roma, vai ficar extremamente irritado.

2) Saúde: Em relação a saúde tem pontos positivos e negativos. O ponto Positivo é o seguro de saúde do governo alemão ao qual todos têm direito, inclusive usá-los nos hospitais particulares. Nesse seguro de saúde, os medicamentos prescrito para quem tem até 18 anos são cobertos por esse seguro. Ou seja, são gratuitos. Esse seguro também é válido para toda UE. Existem os seguros particulares mas é opcional. Em termos práticos, você não precisa pagar uma fortuna como no Brasil, porque o SUS não funciona bem. Apesar de termos muita tecnologia, eu acho que os médicos brasileiros são melhores. No Brasil, a medicina é preventiva, aqui é curativa.

3) Educação: também tem seus pontos positivos e negativos. As escola públicas alemãs tem uma excelente infraestrutura, profissionais altamente qualificados, com apoio pedagógico estruturado. A criança alemã aprende e é fluente no mínimo três idiomas. Uma escola desse nível no nosso país é inacessível ao povo. Isso que o meu filho tem e quando olho para o Brasil fico revoltada.

O que eu não gosto no sistema de educação alemão

Ana Luíza num momento de lazer

A criança tem que decidir muito cedo qual área que ela quer seguir. Ademais, o sistema é muito focado em notas. Funciona da seguinte maneira: do 1° ao 6° ano, a criança está no ensino Fundamental que é chamado de Grundschule. No sexto ano, os pais têm que escolher três escolas de acordo com a habilidade da criança para poder estudar a partir do 7° ano. Por exemplo: se tem uma criança com habilidade maior em matemática, música, idiomas, ou história, ela vai para a escola que tenha um foco mais nessa determinada matéria. Nessa nova escola os pais vão escolher entre Gymnasium (que tem o ensino mais puxado) e a Integrierte Schule, que é a escola integrada focada em integração. A vaga conquistada para ambas as escolas, vai depender da nota do aluno. Caso ela não consiga nenhuma das três escolas escolhidas pelos pais, a competência para achar uma vaga é da secretaria de educação (Schulamt).

Nova Voz ONLINE - Bem diferente.

Ana Luíza Policani Freitas - Ao longo da escola secundária, terá um teste no décimo ano para os alunos que quiserem seguir uma carreira técnica (eletricista, encanador, etc), e mais adiante um para faculdades técnicas (Computação, Design, etc) e o mais alto, chamado Abitur, para entrar nos cursos superiores mais tradicionais, como Medicina, por exemplo. O curso e a universidade onde o aluno será admitido dependerá da nota nesses exames.

4) Segurança: É um ponto que só vejo coisas positivas até então. Em Berlin ocorrem crimes, mas nada à beira do absurdo como no Brasil. Você pode andar com seu celular, buds na rua, no transporte público que você não vai correr risco de vida. A atenção maior no dia a dia é para os Taschendiebs que são os batedores de carteira, nos transportes públicos, estações e pontos turísticos, os furtos de bicicleta, e os golpes por telefone que quem é do Brasil dificilmente cai.

Ultimamente estão aparecendo crimes de corrupção envolvendo pessoas com muito dinheiro. Ao contrário do Brasil, estão todas presas, inclusive os membros de uma tentativa de golpe de Estado frustrada.

A falta de fornecimento do gás russo, ainda não preocupa Ana
Nova Voz ONLINE - Nesse ano de 2022 tem a guerra da Ucrânia. Isto está afetando seu dia a dia? Como?

Ana Luíza Policani Freitas - Sim, não só o meu dia a dia, como o de todos que moram em Berlin e em toda Europa. Devido a guerra, a inflação voltou e com isso, houve aumento de preços nos alimentos (nada absurdo como houve no Brasil, mas há uma diferença clara),  na prestação de serviços como energia elétrica, gás e aluguel. O que me deixou um pouco assustada foi que o governo alemão instalou 400 sirenes em Berlim para a emergência, além de fazer muitos treinamentos com as instituições como bombeiros, polícia e equipes especializadas em resgate em casos de apagões.

Nova Voz ONLINE - Está preocupada com este inverno por conta da falta do gás russo?

Ana Luíza Policani Freitas - Até o momento nem tanto. Quase não estamos ligando o aquecedor, pois nosso apartamento tem um bom isolamento térmico, mas nem todos os lugares são assim. Ademais, a roupa térmica sempre ajuda. O gás que a Alemanha ainda tem de reserva é suficiente para aquecer a água do banho. Isso para quem é brasileiro não pode faltar. Só quero saber como ficará essa questão no ano que vem.

Nova Voz ONLINE - O clima entre as pessoas, como está?

Ana Luíza Policani Freitas - O que está me deixando muito mais preocupada, é que por conta da crise do Gás e da volta da inflação, a extrema direita está crescendo na UE. No que diz respeito à atual situação, não existe mocinho nem bandido, como nos filmes da Marvel. Ao contrário, é puro jogo de interesse. Por isso, ao meu ver, a Europa  comprou uma briga que não era dela e está sofrendo as consequências. E através destas, a extrema direita consegue muitos adeptos. Só espero que a história não se repita.

Uma torta típica da culinária alemã

Nova Voz ONLINE - Finalizando o que diria como dica para quem deseja morar fora do Brasil? Na Alemanha ou em outro país?

Ana Luíza Policani Freitas - Tenho seis dicas básicas e espero poder ajudá-los com isso.

01 - Faça um planejamento financeiro: Calcule os custos das traduções das suas documentações para o idioma do que você quer, da mudança, do novo aluguel e das despesas fixas mensais que você terá sozinho (a) ou com sua família e sempre tenha uma reserva.

02 - Se possível, visite o país, a cidade específica, antes de qualquer decisão. É  interessante isso, para saber como é o dia a dia, como as coisas realmente funcionam, e até mesmo para calcular as despesas do Item 1. Quem tiver amigos ou parentes próximos, se possível peça para passar um mês no inverno e na primavera/verão para você vivenciar isso de perto. Eu fiz isso e foi fundamental para a minha decisão.

03 - Jamais venha ilegalmente, principalmente com filhos. Não cometa esse erro! Procure o visto adequado para seu caso e tire as dúvidas no consulado do país que você quer migrar.  Há muita ansiedade para a busca de uma vida melhor, mas a forma ilegal pode ter sérias consequências para sua família.

04 - Não venda tudo que você tem: A tentativa requer adaptação e nem todos conseguem e isso não é culpa sua. Tenha um lugar para onde voltar e não depender de ninguém.

05 - Preparo psicológico e emocional para lidar com amigos e familiares: Algo fundamental na mudança de país. De um lado você terá apoio de pessoas que   respeitarão a sua decisão e até mesmo ver como um de coragem de sua parte; e  outros verão isso de forma negativa e tentarão fazer com que se sinta culpado por ter os abandonado. Você tem que estar com o psicológico muito forte para saber que, buscar uma vida melhor não é ofensa e nem desrespeito a ninguém. Isso tem que estar muito bem consolidado para não prejudicar a sua integração e de sua família no novo país. Acrescento isso nas dicas, pois tive oportunidade de conhecer duas pessoas que entraram em depressão por conta desse tipo de situação.

06 - Faça o curso de integração oferecido pelo país. Esse curso de integração inclui o idioma, um pouco de história e a legislação vigente pertinente aos direitos mínimos do cidadão. Muitas pessoas  pelo fato de ter o inglês caem no comodismo de não aprender o idioma local. Isso funcionará apenas durante um tempo. Vai chegar uma hora que, sem o idioma, você vai dificultar a sua integração e a dos seus filhos. Conheço várias pessoas aqui em Berlin que estão há mais tempo que eu e cometeram esse erro. Vale ressaltar que com o alemão, mesmo que mínimo, você vai ter um tratamento melhor e melhor acesso ao mercado de trabalho.

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