Denise C. de Freitas trabalha na Apae Aperibé e na Pref. de Itaocara |
O Movimento Antimanicomial refere-se à luta
pelos direitos de todas as pessoas com sofrimento mental. Essa luta se
caracteriza pelo combate à ideia de que se deve isolar a pessoa, escondê-la, em
nome de pretensos tratamentos, que nada mais são do que meios de segregação
baseados nos preconceitos e estigmas que cercam a doença mental.
A Luta Antimanicomial nasceu a partir da
Reforma Psiquiátrica que ocorria no final da década de 70, em pleno processo de
redemocratização do país, mas foi em 18 de maio de 1987 que a luta ganhou forma
a partir do Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP e a I
Conferência Nacional de Saúde Mental, ocorrida em Brasília. Tendo por tema:
“Por uma Sociedade sem Manicômios”, diferentes categorias profissionais,
associações de usuários e familiares, instituições acadêmicas, representações
políticas e outros segmentos da sociedade deram voz ao movimento e questionaram
o modelo clássico de assistência baseado em internações em hospitais
psiquiátricos e denunciaram as graves violações aos direitos das pessoas em
sofrimento psíquico que se tornaram vítimas das mais diversas atrocidades
dissimuladas em atendimento.
Temos como exemplo o cenário sombrio da história
recente do Hospital Colônia de Barbacena (MG), conhecido também como o
Holocausto Brasileiro, onde as estimativas apontam mais de 60 mil óbitos decorrentes
de maus-tratos. Essa instituição, fundada em 1903, era formada por diversos
prédios e pavilhões, e cada um deles tinha uma especialidade, sendo
que 70% dos casos encaminhados não tinham nenhum diagnóstico mental, eram, em
sua maioria, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, viciados em drogas, e
mendigos. Os indesejados pela sociedade.
No Manicômio de Barbacena, crianças
recebiam o mesmo tratamento que adultos e os tratamentos
funcionavam à base da tortura: utilizavam cadeiras elétricas,
solitárias e camisas de força. Os pacientes eram submetidos
à situações precárias de sobrevivência, como fome e sede extremas. Em
alguns casos, chegavam a beber a própria urina. Nos pátios, viviam nus e em
meio a ratos e baratas; urinavam e defecavam no chão. Muitas pessoas eram
colocadas no Manicômio de Barbacena pela própria família. Era o caso de
mulheres indesejadas pelos maridos e parentes que tinham algum tipo de
deficiência, transtorno ou distúrbio, como Síndrome de Down, Autismo e Dislexia.
Com o intuito de acabar com os manicômios, o
Encontro de Bauru e a Conferência de Brasília produziram o projeto de Reforma
Psiquiátrica no Brasil que visava substituir, aos poucos, o tratamento dado até
então por serviços comunitários. O paciente seria encorajado a um exercício
maior de cidadania, fortalecendo seus vínculos familiares e sociais, e nunca
sendo isolado destes. A partir da Reforma, o Estado não poderia construir e nem
mesmo contratar serviços de hospitais psiquiátricos. Em substituição às
internações, os pacientes teriam acesso a atendimentos psicológicos,
atividades alternativas de lazer e tratamentos menos invasivos do que aqueles
que eram dados. A família, aqui, teria papel fundamental na recuperação do
paciente, sendo a principal responsável por ele.
O Movimento de Luta Antimanicomial consistiu
em um diálogo de conscientização com as instituições legais e com os cidadãos
ao elaborar o discurso de que os portadores de transtornos mentais não
representam ameaça ou risco ao círculo social. Ao contrário, este seria um
grande componente para sua recuperação.
Por outro lado, seria necessário uma
reeducação no modo de compreender os transtornos mentais, não como um estigma,
mas como um modo alternativo de ver e estar no mundo. O respeito e a
conscientização seriam armas necessárias para reformular o modo como os
pacientes eram conduzidos até aquele momento, dentro e fora de instituições
responsáveis pelo tratamento.
Em 1992 criam-se os CAPS – Centro de
Atenção Psicossocial, que surgem a partir desta perspectiva da Reforma. Trata-se
de serviços públicos disponíveis em unidades regionais, que oferecem
atendimentos diários com objetivo de reinserir o paciente na
sociedade. Havendo necessidade de internação, é o próprio CAPS que encaminha o
paciente para leitos de saúde mental em hospitais gerais que oferecem
internação de curto prazo. Esses serviços de internação fazem parte da Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS), que têm como função substituir a internação em
asilos, priorizando um tratamento que visa a autonomia do paciente e o respeito
à cidadania.
Fruto do movimento
pelo fim das internações compulsórias, o CAPS tem como ferramentas o
atendimento individualizado, com rodas de conversa, oficinas artísticas e o
tratamento terapêutico individual e em grupo. Busca-se oferecer
um tratamento ambulatorial mais humanizado, no lugar de hospitais
psiquiátricos e longas internações.
Em 30 anos, leis para promover a reforma
psiquiátrica foram promulgadas por Municípios, Estados e também pela União. Mas,
no dia 14 de dezembro de 2017, voltamos algumas décadas no tempo. O Brasil foi
surpreendido pela aprovação de nova Política de Saúde Mental pela Comissão
Intergestores Tripartite (CIT), instância composta pelas três esferas de gestão
da saúde no país – União, Estados e Municípios –, sem a participação da Sociedade Civil.
Na sessão, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sequer teve garantido seu
direito à manifestação, ferindo a prerrogativa do controle social. A mudança da
política imposta pelo Ministério da Saúde resultará em impactos negativos aos
cuidados em saúde mental dos usuários. Com o retorno de manicômios e o
fortalecimento das comunidades terapêuticas – históricos espaços de segregação
e exclusão – o estigma da doença mental voltará a assombrar os usuários. Além
disso, os serviços comunitários, como os Centros de Atenção Psicossocial
(Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e outros espaços da Raps
tenderão a se enfraquecer, coagidos pela pressão para internações psiquiátricas.
Por isso o dia 18 de Maio – Dia Nacional da
Luta Antimanicomial – é uma data crucial para legitimar mais de três décadas de
luta pelo direito das/os usuárias/os de saúde mental por atendimento digno,
respeitoso, qualificado e inserido na sociedade. Afinal, pelo que lutamos?
Lutamos para lembrar que, como todo cidadão, estas pessoas têm o direito
fundamental à liberdade, o direito a viver em sociedade, além do direto a
receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que abrir mão de seu
lugar de cidadãos. O que é mesmo a Loucura? E onde estaria ela?
Loucura é olhar
para trás e ver o rastro de preconceito e sofrimento que mancharam a nossa
história e ameaçam o futuro destas mesmas pessoas que por muitos anos foram
vistas como os indesejáveis, os “a-normais” e por não haver lugar para elas,
foram excluídas, isoladas, escondidas e silenciadas pela sociedade. Loucura é
não aceita-los. Loucura é não entendê-los. Loucura é o PRECONCEITO. Onde ele
está?
Fontes:
Abrasco.com.br – Luta Antimanicomial
Archives - ABRASCO
Assdevoltaparacasa.org.br – Associação de
Volta para Casa – Movimento da luta Antimanicomial
Aventurasnahistoria.uol.com.br – Manicômio
de Barbacena: O Holocausto Brasileiro que matou 60 mil pessoas
Justificando.com – Arquivos Luta
Antimanicomial
Saude.gov.br – 18/05 Dia Nacional da Luta
Antimanicomial
Saúde.abril.com.br – Saúde Mental: o Brasil
voltou 30 anos no tempo
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