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terça-feira, 27 de outubro de 2020

Gustavo Pinheiro discorre sobre a ESCRAVIDÃO e o encontro deste flagelo com outro: O RACISMO

Sabemos que a escravidão não começou na América com os negros africanos. A escravidão já foi branca.

Gustavo Pinheiro assina este brilhante texto

Sabemos que no auge da civilização grega, 10 mil dos 155 mil habitantes da cidade de Atenas eram cativos. Número inferior ao do Império Romano, quando se presume ter havido cerca de meio milhão de escravos em Roma por volta da época de Jesus. Segundo o jornalista e escritor Laurentino Gomes, a escravização não é ‘pecado’ exclusivo da América branca ou de vítimas negras.

Escravo, no dicionário, significa ‘Indivíduo que está ou foi privado de sua liberdade, sendo submetido à vontade de outrem, definido como propriedade’. O termo associado à tragédia dos africanos tem sua origem muito longe do continente, entre os ancestrais dos poloneses, sérvios e ucranianos.

Na época dos césares, ninguém tinha escravos. A palavra que eles usavam era Servus, o que deu origem a servo. Os servos, classe herdeira dos subjugados no fim do Império Romano, tornaram-se semilivres na Idade Média, e por isso foi preciso um novo termo para se falar em escravidão no sentido antigo: escravo. Que vem do latim slavus ou sclavus e do grego bizantino sklábos. Eslavos são os povos do Leste Europeu, dos quais descendem os poloneses, russos, tchecos e vários outros. E que foram escravizados em massa na Alta Idade Média.

O termo eslavo surge entre os séculos IX e X, na Europa, por conta das derrotas desses povos em guerras contra os germânicos, que culminaram em sua escravização. Um exemplo está nos ataques à zona balcânica sob as ordens de Otto I, rei germânico coroado imperador romano em 962. Milhares de derrotados, em sua maioria eslavos, se tornaram prisioneiros e foram vendidos. Com eslavo virando sinônimo de escravo, o velho termo Servus e seus derivados passaram a significar outra classe social, num degrau acima daquele dos escravos.

A escravidão na América e o surgimento do racismo

A escravidão na América fez nascer a ideologia racista
Segundo Laurentino Gomes, a escravidão na América se distingue das formas mais antigas por duas características: a primeira é o regime de trabalho. No passado, os escravos eram usados em serviços domésticos – marceneiro, costureiro, lavador de roupa, massagista, ferreiro, cozinheiro, na agricultura, nos navios, nas guerras, e até ocupavam altos cargos administrativos; apesar de na América também haver esse tipo de escravidão, o termo escravo virou sinônimo de trabalho intensivo nas grandes plantações de cana-de-açúcar, algodão, arroz, tabaco, café e na mineração do ouro, prata e diamantes.

A segunda característica que diferencia a escravidão na América de todas as demais é o nascimento de uma ideologia racista, que passou associar a cor da pele à condição de escravo. O negro africano seria um selvagem, bárbaro, preguiçoso, idólatra, de pouca inteligência, canibal, promíscuo, e sua vocação natural seria viver sob a tutela dos brancos, mais avançados no estágio civilizatório.

A mais antiga corrente filosófica/teológica para a escravização dos negros africanos é a chamada ‘Maldição de Cam’, baseada na Bíblia. Segundo o livro do Gênesis, no capítulo 9, após o dilúvio, Noé se embriagou e deitou-se nu. Seu filho mais novo, Cam, o viu, e em vez de cobri-lo com um manto, correu a contar aos irmãos a situação vexatória em que seu pai se encontrava. Noé, ao acordar e ouvindo o que se passava, lançou uma maldição a Cam e sua descendência, citando especificamente seu neto, Canaã: “Maldito seja Canaã. Que se torne o último dos escravos de seus irmãos.” Segundo a tradição, os descendentes de Canaã teriam ido para a África, onde se estabeleceram escravos até o fim dos tempos.

Durante os séculos de escravidão na América, teólogos, pregadores e chefes de igreja usaram da maldição de Cam para defender o cativeiro dos africanos. O jesuíta Jorge Benci é um exemplo. Italiano, ele embarcou para o brasil em 1681, e ao retornar a Europa escreveu o livro Economia Cristã dos senhores no governo dos escravos, transformando-o num dos principais ideólogos da escravidão.

Ele defendia a escravidão como parte da natureza decaída do ser humano, um dos efeitos do pecado original, de onde ‘se origina todos os males’.  Segundo o jesuíta, o pecado foi o que abriu a porta para o cativeiro. Os escravos africanos seriam herdeiros da maldição de Cam.

Na filosofia há diversos pensadores racistas que sustentaram a ideia que o negro seria inferior ao branco; o britânico David Hume, o francês Voltaire, o alemão Immanuel Kant foram exemplos. Eles diziam que os negros não tinham controle sobre si e seu caráter, incapacitando-os de desenvolver sua civilização e cultura.

O historiador David Brion Davis destaca outras formas que aumentaram essa conotação escravista. A cor preta sempre esteve atribuída ao infortúnio, à tristeza, maldade e impureza. Na tradição judaico-cristã a cor branca esteve sempre ligada à inocência, à pureza e à santidade, enquanto a cor escura, ou tecnicamente, a falta de cor, era sinônimo de pecado, perversão e morte. Na Bíblia há menções a lutas entre ‘os filhos da luz’ e ‘os filhos das trevas’. Na arte medieval os demônios eram identificados com a pele escura e os santos com pele clara.

Na Igreja Católica a quantidade de santos negros é ínfima. Em uma longa busca na internet você consegue listar apenas 4 ou 5 santos e 3 beatos.

O racismo é uma ideologia construída pelos iluministas e religiosos nos últimos 3 séculos, baseado na forçosa inferioridade daquele que possui uma outra cor de pele que não a branca.

É primordial sabermos como se deu os fatos para que desenvolvamos recursos para combatê-lo.

O historiador Eric Williams resume a questão: “A escravidão não nasceu do racismo; mas o racismo foi consequência da escravidão.”

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