Apesar
de jovem, nota-se o brilho intelectual e a grande disposição de Educar fazendo
algo diferente, que a professora de história do Colégio Municipal Nildo Caruso
Nara, Mariana Christo, possui. Gentilmente ela atendeu nosso pedido para falar
sobre as conclusões que chegou com seu trabalho de Pós-graduação. Dividimos
agora com os leitores.
Nova
Voz On Line
– No seu trabalho de pós-graduação, você afirma que a história não é um
processo de faz de contas. Pode explicar melhor aos leitores o que quer dizer com
isto?
Mariana Christo desenvolve um trabalho brilhante no Nildo Nara |
Mariana
Christo
- O projeto História de Faz e Conta:
Somos Todos Seres Históricos, foi assim batizado justamente para remeter à
ideia de que a história não é uma ficção, uma novela ou romance, mas, sim, um
processo real do qual fazemos parte da construção. Dessa forma, ser histórico
não é somente viver em determinado tempo histórico, mas também reconhecer que,
como atores do processo, devemos ser também seus narradores. Com esse projeto,
tratamos de mostrar aos estudantes que a história não é um “faz de conta”, uma
invenção, mas um processo constante de “faz e conta”, no qual todos os cidadãos
devem ser inseridos, ouvidos e representados.
Nova
Voz On Line
– Você faz uma crítica muito pertinente sobre a falta de entendimento que a
maioria possui sobre de que a história é um patrimônio comum, que deveria ser
mais bem entendido por todos nós. Poderia elaborar o que sua afirmação
significa?
Mariana
Christo
- Se todos entendessem a importância que a História tem em nossas vidas, tenho
certeza que seríamos um país mais rico do que já somos hoje. Os brasileiros, de
uma maneira geral, não têm o hábito da leitura e principalmente da leitura
histórica. A leitura e a educação são as armas mais eficazes para o rompimento
de qualquer barreira que a ignorância pode construir. Se entendêssemos desde
pequenos que estudamos História na escola para aprender a interpretar, aprender
com os exemplos e poder projetar um futuro melhor, seríamos mais desenvolvidos
intelectual, político e economicamente. História não é coisa velha, pelo
contrário, o estudo da História é a projeção de um futuro melhor.
Nova
Voz On Line
– No seu trabalho nota-se que há o pensamento sobre a construção de uma ordem
pluriversal, citando Mignolo. O que viria a ser esse desenvolvimento humano?
Mariana
Christo
- Walter Mignolo é professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e um
dos referenciais para o que ele denomina de “pensamento decolonial”. Torna-se
fácil entender seu conceito quando nos lembramos de que o Brasil e toda a
América foram colônias de países europeus. E que os mesmos quando aqui
chegaram, não procuraram entender a realidade do Novo Mundo (América) a partir
da própria América, mas sim se utilizando de modelos europeus para explicar o
que muitas vezes era inexplicável.
O envolvimento dos alunos desdobrou-se na I Semana do Saber |
Nova
Voz On Line
– Que interessante!
Mariana
Christo
- Como o europeu poderia explicar a fauna e flora americanas sendo tão
diferentes das da Europa? Como explicar que a relação que os habitantes da
América Central tinham com o ouro não era uma “fome voraz” de enriquecimento
ligado à economia dos setecentos? Em decorrência desse fato, o que ocorre é uma
centralização cultural europeia sobre todas as demais culturas. A mesma
centralização que encontramos ainda hoje nos livros didáticos e no currículo
escolar e universitário. Explicamos o Brasil através da Europa e não por ele
mesmo.
Nova
Voz On Line
– Nota-se que é bem interessante conhecer Walter Mignolo, por tudo o que está
explicando.
Mariana
Christo
– Com certeza. É nesse caminho que Mignolo defende uma ordem de pensamento
PLURIVERSAL, ou seja, entender que existem culturas, memórias e histórias
apagadas e silenciadas por outras que se dizem globais e que acabam por sufocar
as individualidades locais. O futuro global não deve ser pensado como o futuro
de uma única opção, mas sim uma ordem global pluriversal.
Nova
Voz On Line
– Alguns pensadores contemporâneos acreditam que justamente a falta de inclusão
de parte considerável da população mundial nos benefícios da Globalização
resulta na ascensão ao poder de uma série de líderes populistas. Como
historiadora, qual sua opinião?
Mariana
Christo
– Podemos colocar aqui dois aspectos dessa Globalização. O primeiro deles é o
que eu discuto em meu trabalho, o qual enxerga a globalização como um ponto
negativo em relação às culturas e individualidades de cada região, pois acaba
por silenciá-las e projetar na mente da população que o que é valido é o que
está distante. Um exemplo simples é o que ouvimos na esquina de nossa casa: “Eu
quero ir para os Estados Unidos, Europa. Lá eles têm cultura e progresso”. Essa
frase é típica de alguém que pensa de forma centralizada e não plural e, assim,
não reconhece as riquezas culturais ao seu redor, em sua própria cidade.
Nova
Voz On Line
– Abordagem fantástica.
Mariana
Christo
- O segundo ponto é que podemos pensar em Globalização como a facilidade de
acesso a informação como um grande benefício para romper com a ignorância. Mas
vejamos, assim como podemos explicar aqui Globalização de várias maneiras e
exemplificar de forma diversa, encontramos um ponto em comum. Seja a
Globalização uma centralização de hábitos, costumes e cultura ou a expansão do
acesso ao conhecimento, os dois jeitos de incorporação de saberes sem
questionamento, crítica e investigação resultarão sim na ascensão de líderes
mais populistas que populares. Precisamos ter muito cuidado.
Receptividade dos alunos a Aula Expositiva e
Viagem a Campos dos Goytacazes
O trabalho de Pós da Professora Mariana levou os alunos numa inesquecível viagem ao Museu Histórico de Campos dos Goytacazes, |
Nova
Voz On Line
– A aula expositiva, explicativa, sobre Patrimônio e Cultura, sobre a
Importância da Preservação e sobre Sermos Seres Históricos, contendo
fotografias de monumentos e ruas, quando (ao mesmo tempo) se apresentava
conceitos de cultura, patrimônio, identidade, memória e história, teve que
papel na ampliação dos alunos sobre a própria percepção como seres históricos?
Mariana
Christo
- O meu objetivo era desenvolver nos estudantes o senso crítico em relação ao
local onde vivem, permitindo que examinem seu contexto escolar e social e se
sintam parte do processo de evolução espaço-temporal tanto em sua comunidade,
como em âmbito nacional. A proposta dessa aula foi uma “preparação do terreno”
para que a viagem à Campos dos Goytacazes surtisse o efeito esperado. Quando
vamos construir uma casa não precisamos fazer primeiro a fundação? E quem olha
somente a fundação entende como será a arquitetura dessa casa? Mas quando a
casa está pronta só a concebemos como casa porque estão contidos ali todos os
elementos necessários para torná-la o que é. Essa aula expositiva explicativa
surtiu o mesmo impacto nos alunos. Primeiro os conceitos e as dúvidas sobre
eles foram apresentados para que quando fossem a parte prática visualizassem e
captassem de forma profunda o que é a História.
Nova
Voz On Line
– Como Educadora, qual é o impacto que os alunos têm, quando fazem uma viagem,
como a que realizou a Campos dos Goytacazes, e eles puderam ter contato com
coisas como o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho e o Museu
Histórico de Campos?
Mariana
Christo
- A cidade de Itaocara já havia se tornado rotina. Os olhos já não enxergavam
mais o comum. As praças eram somente praças, os monumentos somente estátuas sem
valor, a história e memória sem graça e sem conexão. Os olhos precisavam
“olhar”, e não mais somente ver. Esses olhares precisavam ser lapidados por
meio do estranhamento e do novo para que fossem despertados. Por esse motivo, na
segunda etapa do projeto, os estudantes viajaram para Campos dos Goytacazes,
com o intuito de conhecerem, registrarem e documentarem o patrimônio cultural
local da cidade através de fotografias.
Nova
Voz On Line
– Qual foi o objetivo?
Mariana
Christo
- O objetivo era simples, porém árduo e trabalhoso: voltar a Itaocara e
enxergar-se como pertencente ao local em que viviam, entendendo quem era e qual
era a importância de sua história e memória. Assim, compreenderiam que a
História da sala de aula é muito mais que conteúdo e prova. Caminhar e falar
sobre a história, monumentos e memórias de Itaocara já não adiantava e não era
motivador ao ponto de fazer com que se compreendessem como seres históricos e
sujeitos ativos da construção de sua identidade e história. Precisávamos sair
de Itaocara para que Itaocara fosse compreendida e incorporada a suas vidas.
E surgiu a I Semana do
Saber
Nova
Voz On Line
– Já lhe fizemos essa pergunta, mas não dá para resistir e não fazer outra vez.
Dentro de todo o trabalho que desenvolveu, pesquisando e envolvendo os alunos
no aprendizado, qual importância teve a realização da I Semana do Saber?
Mariana
Christo
- A ideia para a Semana do Saber surgiu na viagem de volta de Campos para
Itaocara. Antes mesmo de a viagem terminar, ainda no ônibus voltando para casa,
o que mais os estudantes repetiam era “precisamos compartilhar tudo o que
aprendemos, não somente como nosso colégio, mas também com os outros. Itaocara
precisa entender que tem valor.”
Mariana junto com os alunos Participando do 3º Congresso Interdisciplinariedade do Noroeste Fluminense no Instituto Federal Fluminense - IFF - em Itaperuna |
Nova
Voz On Line
– Novamente: QUE FANTÁSTICO!
Mariana
Christo
- O sucesso do projeto foi tão grandioso que, a pedido dos alunos, levamos
nosso trabalho ao 3º CONINF – Congresso de Interdisciplinaridade do Noroeste
Fluminense, no Instituto Federal Fluminense em Itaperuna. O trabalho foi
apresentado por eles aos avaliadores. Experiência riquíssima. Segundo os
próprios alunos, “estamos nos preparando para a faculdade.”
Nova
Voz On Line
– Mas não parou por ai, não é verdade?
Mariana
Christo
- Levar o trabalho a um Congresso não foi o suficiente para tantas conquistas.
A vontade dos estudantes em compartilhar tudo o que aprenderam era tamanha que
surgiu um novo projeto, o qual envolveu todo o Ensino Fundamental II, do
Colégio Municipal Professor Nildo Caruso Nara. Com o trabalho de estudo e
pesquisa da turma de 9º ano, ampliando seus conhecimentos e capacidade de se
entender como sujeito agente de sua própria história, foi realizada a Comissão
de Organização da I Semana do Saber, a qual aconteceu nos dias 21, 22 e 23 de
novembro de 2018, no próprio colégio. O evento proporcionou o contato com
professores da UFF (Universidade Federal Fluminense), da Uenf (Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), da Unirio (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), entre outros palestrantes que contribuíram com os temas de
Cultura, Patrimônio, História, Empreendedorismo e Saúde Coletiva.
Nova
Voz On Line
– Ao final, agora, elaborado e apresentando o trabalho de Pós-graduação, qual é
a conclusão que chegou e pode dividir com nossos leitores?
Mariana
Christo
- O maior orgulho de um professor é sentir ter feito sua parte e realmente
contribuído para a formação de adolescentes conscientes e responsáveis numa
proposta que rompa com aquilo que é apenas normativo. O projeto “História de
Faz e Conta: Somo Todos Seres Históricos” ultrapassou as expectativas
esperadas. Como resultado, temos não somente a participação em um Congresso,
como também entrevistas e inspiração para novos trabalhos, conforme a I Semana
do Saber. O objetivo inicial, viajar para Campos dos Goytacazes, provocar um
estranhamento nos olhares, voltar a Itaocara e enxergar-se como pertencente ao
local em que viviam, entendendo quem eram e qual era a importância de sua
história e memória e, assim, compreender que a História da sala de aula é muito
mais que conteúdo e prova, foi concluído com sucesso.
Nova
Voz On Line
– Ao final, o que teria a nos dizer?
Mariana Christo – Agradecer e dizer que o
projeto que queria atingir e valorizar o sentimento de pertencimento e
identidade, memória e história dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II do
Colégio Municipal Professor Nildo Caruso Nara, acabou por atingir não somente
uma turma, mas também mobilizou a cidade e demais setores educacionais. E isto
me deixou extremamente feliz. Então, obrigado aos alunos, a Direção,
professores e todos que colaboraram conosco, em nossa escola. Meu sentimento é
de gratidão. Obrigado!
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