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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

O Trabalho de Pós-Graduação "História de Faz e Contas: Somos Todos Seres Históricos", da Professora Mariana Christo

Apesar de jovem, nota-se o brilho intelectual e a grande disposição de Educar fazendo algo diferente, que a professora de história do Colégio Municipal Nildo Caruso Nara, Mariana Christo, possui. Gentilmente ela atendeu nosso pedido para falar sobre as conclusões que chegou com seu trabalho de Pós-graduação. Dividimos agora com os leitores.
Mariana Christo desenvolve um trabalho brilhante no Nildo Nara
Nova Voz On Line – No seu trabalho de pós-graduação, você afirma que a história não é um processo de faz de contas. Pode explicar melhor aos leitores o que quer dizer com isto?
Mariana Christo - O projeto História de Faz e Conta: Somos Todos Seres Históricos, foi assim batizado justamente para remeter à ideia de que a história não é uma ficção, uma novela ou romance, mas, sim, um processo real do qual fazemos parte da construção. Dessa forma, ser histórico não é somente viver em determinado tempo histórico, mas também reconhecer que, como atores do processo, devemos ser também seus narradores. Com esse projeto, tratamos de mostrar aos estudantes que a história não é um “faz de conta”, uma invenção, mas um processo constante de “faz e conta”, no qual todos os cidadãos devem ser inseridos, ouvidos e representados.

Nova Voz On Line – Você faz uma crítica muito pertinente sobre a falta de entendimento que a maioria possui sobre de que a história é um patrimônio comum, que deveria ser mais bem entendido por todos nós. Poderia elaborar o que sua afirmação significa?
Mariana Christo - Se todos entendessem a importância que a História tem em nossas vidas, tenho certeza que seríamos um país mais rico do que já somos hoje. Os brasileiros, de uma maneira geral, não têm o hábito da leitura e principalmente da leitura histórica. A leitura e a educação são as armas mais eficazes para o rompimento de qualquer barreira que a ignorância pode construir. Se entendêssemos desde pequenos que estudamos História na escola para aprender a interpretar, aprender com os exemplos e poder projetar um futuro melhor, seríamos mais desenvolvidos intelectual, político e economicamente. História não é coisa velha, pelo contrário, o estudo da História é a projeção de um futuro melhor.

Nova Voz On Line – No seu trabalho nota-se que há o pensamento sobre a construção de uma ordem pluriversal, citando Mignolo. O que viria a ser esse desenvolvimento humano?
Mariana Christo - Walter Mignolo é professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e um dos referenciais para o que ele denomina de “pensamento decolonial”. Torna-se fácil entender seu conceito quando nos lembramos de que o Brasil e toda a América foram colônias de países europeus. E que os mesmos quando aqui chegaram, não procuraram entender a realidade do Novo Mundo (América) a partir da própria América, mas sim se utilizando de modelos europeus para explicar o que muitas vezes era inexplicável.
O envolvimento dos alunos desdobrou-se na I Semana do Saber
Nova Voz On Line – Que interessante!
Mariana Christo - Como o europeu poderia explicar a fauna e flora americanas sendo tão diferentes das da Europa? Como explicar que a relação que os habitantes da América Central tinham com o ouro não era uma “fome voraz” de enriquecimento ligado à economia dos setecentos? Em decorrência desse fato, o que ocorre é uma centralização cultural europeia sobre todas as demais culturas. A mesma centralização que encontramos ainda hoje nos livros didáticos e no currículo escolar e universitário. Explicamos o Brasil através da Europa e não por ele mesmo.

Nova Voz On Line – Nota-se que é bem interessante conhecer Walter Mignolo, por tudo o que está explicando.
Mariana Christo – Com certeza. É nesse caminho que Mignolo defende uma ordem de pensamento PLURIVERSAL, ou seja, entender que existem culturas, memórias e histórias apagadas e silenciadas por outras que se dizem globais e que acabam por sufocar as individualidades locais. O futuro global não deve ser pensado como o futuro de uma única opção, mas sim uma ordem global pluriversal.

Nova Voz On Line – Alguns pensadores contemporâneos acreditam que justamente a falta de inclusão de parte considerável da população mundial nos benefícios da Globalização resulta na ascensão ao poder de uma série de líderes populistas. Como historiadora, qual sua opinião?
Mariana Christo – Podemos colocar aqui dois aspectos dessa Globalização. O primeiro deles é o que eu discuto em meu trabalho, o qual enxerga a globalização como um ponto negativo em relação às culturas e individualidades de cada região, pois acaba por silenciá-las e projetar na mente da população que o que é valido é o que está distante. Um exemplo simples é o que ouvimos na esquina de nossa casa: “Eu quero ir para os Estados Unidos, Europa. Lá eles têm cultura e progresso”. Essa frase é típica de alguém que pensa de forma centralizada e não plural e, assim, não reconhece as riquezas culturais ao seu redor, em sua própria cidade.

Nova Voz On Line – Abordagem fantástica.
Mariana Christo - O segundo ponto é que podemos pensar em Globalização como a facilidade de acesso a informação como um grande benefício para romper com a ignorância. Mas vejamos, assim como podemos explicar aqui Globalização de várias maneiras e exemplificar de forma diversa, encontramos um ponto em comum. Seja a Globalização uma centralização de hábitos, costumes e cultura ou a expansão do acesso ao conhecimento, os dois jeitos de incorporação de saberes sem questionamento, crítica e investigação resultarão sim na ascensão de líderes mais populistas que populares. Precisamos ter muito cuidado.

Receptividade dos alunos a Aula Expositiva e Viagem a Campos dos Goytacazes
O trabalho de Pós da Professora Mariana levou os alunos numa inesquecível viagem ao Museu Histórico de Campos dos Goytacazes,  
Nova Voz On Line – A aula expositiva, explicativa, sobre Patrimônio e Cultura, sobre a Importância da Preservação e sobre Sermos Seres Históricos, contendo fotografias de monumentos e ruas, quando (ao mesmo tempo) se apresentava conceitos de cultura, patrimônio, identidade, memória e história, teve que papel na ampliação dos alunos sobre a própria percepção como seres históricos?
Mariana Christo - O meu objetivo era desenvolver nos estudantes o senso crítico em relação ao local onde vivem, permitindo que examinem seu contexto escolar e social e se sintam parte do processo de evolução espaço-temporal tanto em sua comunidade, como em âmbito nacional. A proposta dessa aula foi uma “preparação do terreno” para que a viagem à Campos dos Goytacazes surtisse o efeito esperado. Quando vamos construir uma casa não precisamos fazer primeiro a fundação? E quem olha somente a fundação entende como será a arquitetura dessa casa? Mas quando a casa está pronta só a concebemos como casa porque estão contidos ali todos os elementos necessários para torná-la o que é. Essa aula expositiva explicativa surtiu o mesmo impacto nos alunos. Primeiro os conceitos e as dúvidas sobre eles foram apresentados para que quando fossem a parte prática visualizassem e captassem de forma profunda o que é a História.

Nova Voz On Line – Como Educadora, qual é o impacto que os alunos têm, quando fazem uma viagem, como a que realizou a Campos dos Goytacazes, e eles puderam ter contato com coisas como o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho e o Museu Histórico de Campos?
Mariana Christo - A cidade de Itaocara já havia se tornado rotina. Os olhos já não enxergavam mais o comum. As praças eram somente praças, os monumentos somente estátuas sem valor, a história e memória sem graça e sem conexão. Os olhos precisavam “olhar”, e não mais somente ver. Esses olhares precisavam ser lapidados por meio do estranhamento e do novo para que fossem despertados. Por esse motivo, na segunda etapa do projeto, os estudantes viajaram para Campos dos Goytacazes, com o intuito de conhecerem, registrarem e documentarem o patrimônio cultural local da cidade através de fotografias.

Nova Voz On Line – Qual foi o objetivo?
Mariana Christo - O objetivo era simples, porém árduo e trabalhoso: voltar a Itaocara e enxergar-se como pertencente ao local em que viviam, entendendo quem era e qual era a importância de sua história e memória. Assim, compreenderiam que a História da sala de aula é muito mais que conteúdo e prova. Caminhar e falar sobre a história, monumentos e memórias de Itaocara já não adiantava e não era motivador ao ponto de fazer com que se compreendessem como seres históricos e sujeitos ativos da construção de sua identidade e história. Precisávamos sair de Itaocara para que Itaocara fosse compreendida e incorporada a suas vidas.

E surgiu a I Semana do Saber

Nova Voz On Line – Já lhe fizemos essa pergunta, mas não dá para resistir e não fazer outra vez. Dentro de todo o trabalho que desenvolveu, pesquisando e envolvendo os alunos no aprendizado, qual importância teve a realização da I Semana do Saber?
Mariana Christo - A ideia para a Semana do Saber surgiu na viagem de volta de Campos para Itaocara. Antes mesmo de a viagem terminar, ainda no ônibus voltando para casa, o que mais os estudantes repetiam era “precisamos compartilhar tudo o que aprendemos, não somente como nosso colégio, mas também com os outros. Itaocara precisa entender que tem valor.”
Mariana junto com os alunos Participando do 3º Congresso Interdisciplinariedade do Noroeste Fluminense no Instituto Federal Fluminense - IFF - em Itaperuna
Nova Voz On Line – Novamente: QUE FANTÁSTICO!
Mariana Christo - O sucesso do projeto foi tão grandioso que, a pedido dos alunos, levamos nosso trabalho ao 3º CONINF – Congresso de Interdisciplinaridade do Noroeste Fluminense, no Instituto Federal Fluminense em Itaperuna. O trabalho foi apresentado por eles aos avaliadores. Experiência riquíssima. Segundo os próprios alunos, “estamos nos preparando para a faculdade.”

Nova Voz On Line – Mas não parou por ai, não é verdade?
Mariana Christo - Levar o trabalho a um Congresso não foi o suficiente para tantas conquistas. A vontade dos estudantes em compartilhar tudo o que aprenderam era tamanha que surgiu um novo projeto, o qual envolveu todo o Ensino Fundamental II, do Colégio Municipal Professor Nildo Caruso Nara. Com o trabalho de estudo e pesquisa da turma de 9º ano, ampliando seus conhecimentos e capacidade de se entender como sujeito agente de sua própria história, foi realizada a Comissão de Organização da I Semana do Saber, a qual aconteceu nos dias 21, 22 e 23 de novembro de 2018, no próprio colégio. O evento proporcionou o contato com professores da UFF (Universidade Federal Fluminense), da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), da Unirio (Universidade Federal do Rio de Janeiro), entre outros palestrantes que contribuíram com os temas de Cultura, Patrimônio, História, Empreendedorismo e Saúde Coletiva.

Nova Voz On Line – Ao final, agora, elaborado e apresentando o trabalho de Pós-graduação, qual é a conclusão que chegou e pode dividir com nossos leitores?
Mariana Christo - O maior orgulho de um professor é sentir ter feito sua parte e realmente contribuído para a formação de adolescentes conscientes e responsáveis numa proposta que rompa com aquilo que é apenas normativo. O projeto “História de Faz e Conta: Somo Todos Seres Históricos” ultrapassou as expectativas esperadas. Como resultado, temos não somente a participação em um Congresso, como também entrevistas e inspiração para novos trabalhos, conforme a I Semana do Saber. O objetivo inicial, viajar para Campos dos Goytacazes, provocar um estranhamento nos olhares, voltar a Itaocara e enxergar-se como pertencente ao local em que viviam, entendendo quem eram e qual era a importância de sua história e memória e, assim, compreender que a História da sala de aula é muito mais que conteúdo e prova, foi concluído com sucesso.

Nova Voz On Line – Ao final, o que teria a nos dizer?
Mariana Christo – Agradecer e dizer que o projeto que queria atingir e valorizar o sentimento de pertencimento e identidade, memória e história dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II do Colégio Municipal Professor Nildo Caruso Nara, acabou por atingir não somente uma turma, mas também mobilizou a cidade e demais setores educacionais. E isto me deixou extremamente feliz. Então, obrigado aos alunos, a Direção, professores e todos que colaboraram conosco, em nossa escola. Meu sentimento é de gratidão. Obrigado!
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