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domingo, 13 de junho de 2021

Dr. Inácio Erthal Soares fala sobre a mudança do Sistema de Tratamento, dos Manicômios, para os CAPS

O Psicólogo, Dr. Inácio Erthal Soares, sem dúvida alguma, é um profissional com sólida formação em sua área de atuação, se destacando no Estado do Rio de Janeiro. No bate papo de hoje, ele fala da mudança do atendimento, dos Manicômios para os CAPS.

Dentro de sua área de atuação, o Dr. Inácio Erthal Soares, é um psicólogo com excepcional formação, se destacando no RJ
Nova Voz ONLINEPor muito tempo se adotou a política de saúde mental de internar pessoas com problemas psicológicos, em manicômios, que eram espécie de presídio. Depois houve uma revolução contrária a essa ideia, criando os CAPS – Centro de Assistência Psicossocial. Essa foi uma mudança correta?

Dr. Inácio Erthal - Falar em CAPS e manicômios sempre nos remetem à história da loucura (foucaultiana ou não). Pinel foi o responsável por remover as correntes de ferro da loucura, e de colocar as correntes sociais, isto é, por segregar os ditos loucos dos normais.

Nova Voz ONLINE – Que interessante.

Dr. Inácio Erthal - Porém, pela própria multiplicidade de direções que uma onda percorre, os manicômios logo se tornaram lugar de despejo de dejetos sociais. Assim, vemos que não é a loucura propriamente dita que é segregada, mas o indesejável, por qualquer motivo, ainda que por um desejo, é reprimido.

Nova Voz ONLINE – Como isto terminou se desenvolvendo?

Dr. Inácio Erthal - Sem minorar a segregação dos loucos, surgiram companhias. Drogadictos, moradores de rua, profissionais do sexo, mulheres com gravidez indesejada (ou pela sociedade ou pelo marido), rivais de disputas jurídicas e/ou políticas etc.

Nova Voz ONLINE – Então, não era uma terapia adequada?

Dr. Inácio Erthal - O manicômio nunca serviu de tratamento. Quem, de boa-fé, trataria alguém prendendo essa pessoa? Nessa pandemia todos sentimos, em maior ou menor grau, como é estar ‘preso’ e como isso prejudica nossa saúde. Basaglia e outros colegas, no século passado, promoveram o início do que hoje temos como a luta antimanicomial, que tem seu dia em 18 de maio. A proposta de um tratamento em liberdade, como a dos CAPS, surge daí.


Nova Voz ONLINE
– Então, a criação do CAPS foi correta?

Dr. Inácio Erthal - De fato, foi uma mudança correta. Não só pela possibilidade de um tratamento de verdade, como qualquer outra pessoa possui direito, mas também por fornecer o direito de usufruir de uma vida em plenitude, que constitui o benefício do aspecto social do tratamento que todo CAPS oferece. Além de acabar com essa lógica manicomial, que cá entre nós, é mafiosa para dizer o mínimo, que visa o lucro máximo tanto da indústria farmacêutica como dos responsáveis por tais instituições totais. O CAPS também oferece um serviço multidisciplinar, onde atuam diversos profissionais, amparado em um conceito de saúde mais amplo, diferente do antigo modelo focado apenas na relação médico e paciente.

Nova Voz ONLINE – Mudou um paradigma.

Dr. Inácio Erthal – Correto. Não podemos esquecer de outros benefícios também, como no aspecto econômico, já que são mais pagando os impostos de cada produto, impostos estes que serão convertidos na melhora do hospital, ou na reforma daquela escola que precisa, por exemplo. Com mais pessoas andando pela cidade existe mais gasto com o comércio local, seja com o gás de cozinha, seja na lanchonete no final de semana ou comprando uma roupa no calçadão.

Nova Voz ONLINE – O que mais?

Dr. Inácio Erthal - Existe um benefício político também, onde os usuários da rede podem reivindicar seus direitos, cobrar dos governantes, realizar manifestações. Existe um outro benefício que é civil, em que podem participar de grupos comunitários, ONGs, OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) etc. E o maior benefício de qualquer sociedade que é a diversidade e a diferença.

Nova Voz ONLINE – De forma geral, é possível afirmar que a adoção dos CAPS, trouxe quais principais resultados, para saúde pública?

Dr. Inácio Erthal - Bom, além do que já foi dito, o primeiro grande resultado, de modo geral, é que os CAPS, por ser um dispositivo da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e consequentemente do SUS, atendem a toda a população. Os CAPS prestam serviços para qualquer demanda da área. Ainda, por sua lógica territorial e descentralizada é um dispositivo de fácil acesso de toda a população, está presente em todos os municípios com mais de 20 mil habitantes (salvo engano) e é um dos serviços ‘portas de entrada’ para a rede de saúde municipal.

Nova Voz ONLINE – Há outros tipos de serviços ofertados?

Dr. Inácio Erthal - O CAPS ainda conta com o serviço residencial terapêutico, para pessoas que foram submetidas a tratamentos psiquiátricos em regime hospitalar de longa permanência. Isto é, embasado pelo princípio da equidade do SUS, existe um cuidado específico para os que foram mais prejudicados pelo modelo manicomial.

Nova Voz ONLINE – A família tem que papel na integração dos pacientes do CAPS na sociedade?

Dr. Inácio Erthal - A família, inicialmente, é um grupo social. Penso que o papel da família é o mesmo, independentemente de ser paciente do CAPS ou não.

Nova Voz ONLINE - Há pessoas, com distúrbios psicológicos, que mesmo assim, podem trabalhar e ter uma vida parecida com quem não apresenta nenhum distúrbio?

Dr. Inácio Erthal - Sim, perfeitamente. Muitos pacientes do CAPS, pelo Brasil, têm vidas produtivas, pagando os impostos, que de forma ideal, serão convertidos na melhora dos sistemas de saúde, ou na reforma daquela escola que precisa. Com mais pessoas interagindo existe benefícios diversos com o comércio local. O vendedor de gás de cozinha, o pessoal da lanchonete, as lojas de roupa. Ou seja, a convivência beneficia a todos.

Nova Voz ONLINE – Seria importante criar campanhas publicitárias e mesmo iniciativas do poder público para inserir estes indivíduos dentro dos seus direitos de cidadania, através de emprego e etc?

Dr. Inácio Erthal - Me parece que ao mesmo tempo que uma resposta simplória nos dirigiria ao “sim”, também nos colocaria no lugar de reforçar o estigma. Acho que a raiz do problema é o preconceito, e é isso que precisamos criticar e realizar publicidade sobre. Porém, dentro do que posso dizer agora é que, o CAPS insere, seja através de discussões, de grupos específicos, ou da exclusiva apresentação, os usuários aos seus direitos.

Nova Voz ONLINE – O estigma social é um grande problema?

Dr. Inácio Erthal -  Esse é um assunto complexo. Penso que seria fundamental articular essa questão com saberes de outros profissionais, como de um sociólogo ou de um cientista social. Esse é o problema da ciência, daí a necessidade de uma equipe multidisciplinar como disse anteriormente. Cada vez sabemos mais sobre menos.

* Dr. Inácio Erthal é Psicanalista, Membro da Apertura para Otro Lacan (APOLa) - Seção Internacional. Graduado em Psicologia, com ênfase em psicologia clínica, pela Faculdade Santo Antônio de Pádua ((FASAP/2020). Pós-graduando em Psicanálise, com ênfase em teoria psicanalítica; Psicanálise Clínica, com ênfase em interpretação e ato analítico e Saúde Mental, com ênfase em psicopatologia e atenção  psicossocial, pelo Programa de Pós-Graduação  Lato Sensu do Instituto Brasileiro de Formação da União Brasileira de Faculdades  (IBF/UniBF).

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