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terça-feira, 26 de março de 2024

Texto escrito por Netinho Caetano foi selecionado para ser publicado em Fanzine que homenageia Dona Ivone Lara

Barão, Graciliano e Duda: esses eram os três craques do Proletários F.C., meu time de futebol de botão na infância. Assim embalei o início dos anos 90. E não havia melhor equipe na Zona Norte, posso afirmar. Barão, um cabeça-de-área robusto, protetor da zaga. Não fossem seus hábitos noturnos, seria um Mauro Silva; Duda, cuja alcunha fora inspirada na personagem protagonista da novela Irmãos Coragem, reeditada em 1995, era um exímio fazedor de gols; já Graciliano...um craque refinado! Canhoto - sim,  existem jogadores de futebol de botão que têm membros dominantes -, pernas grossas, driblador. Corria pouco. "Quem corre é a bola” (a pastilha ou o dado, nesse caso), sempre dizia. Nasceu como botão de paletó do saudoso Tio Jorge. Tornando-se jogador, foi reconhecido como o Rei dos campos Estrelão. Lembro-me perfeitamente da inspiração do nome de batismo do meu camisa 10:  Vidas Secas, livro de Graciliano Ramos, a obra predileta de mamãe. 

Aproveitando o ensejo, lá em casa eu sou o filho mais novo. Crianças que éramos, enchíamos o casebre de alegria. Como todo moleque suburbano, jogávamos futebol na rua horas a fio. Quando chovia, a velha bola de capão, que naturalmente já tinha vida própria, pesava uns 50 quilos. Impossível me esquecer também do pique esconde, jogo de prego, pião, bola de gude. Brincávamos de viver. E como é bom viver com um sorriso de criança! Papai deixava tudo correr solto. Mamãe, bem mais ajuizada, sempre nos exortava: "Cuidado, crianças". Àquela época eu não tinha a exata dimensão, mas hoje percebo o quão belo tudo aquilo era. Lindo como um contracanto de Dona Ivone Lara ao encontro da caneta certeira de Délcio Carvalho. 

O tempo passou. Barão, Graciliano e Duda perduraram as palhetas há algum tempo: ganharam tudo em Vaz Lobo e Madureira. Duda jura que fez mil gols, sem comprovar. Fato é que nenhum ser feito de acrílico cumprimentou tanto as redes de plástico quanto ele. Atualmente, tenho a possibilidade de reviver as emoções da infância no alvorecer dos meus filhos, sobrinhos e sobrinhas. Pai e mãe (hoje vô e vó) continuam lá: ele ainda desajuizado, em que pese a aparência tranquila que seus cabelos brancos lhe emprestam; ela anda um pouco mais concessiva. Os petizes são a alegria da família. Ainda que sejamos meros espectadores, regressamos aos tempos de dentes de leite e de cabeças de dedos machucadas. Para a sorte dos pequenos, Merthiolate não arde como antes. 

Aqui nas terras de São Sebastião, mesmo com o peso dos incontáveis compromissos laborais, o receio constante da violência urbana, o trânsito, as conduções superlotadas, os preços aviltantes, visto-me da mais pura felicidade ao retornar à casa, invariavelmente exausto, e receber um abraço de criança, seguido de mais uma travessura. Parece que estou remoçando. Aprendo muito com eles. E o que é a vida, senão essa constante renovação? 

Aos guris, se lhes pudesse dizer algo para que sempre levem consigo, não poderia deixar de citar os versos da Primeira Dama do Samba, suficientes para encontrarem o caminho da felicidade, indispensável para a dura jornada nesse plano:

"...E aprenda lutar pela vida pra se prevenir

Conheça todas as maldades pra não se iludir

Espalhe amor por onde for

Quem sabe amar destrói a dor

Seja todo seu viver

Um mundo cheio de prazer...”


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