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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Henrique Resende fala de arte nessa matéria que republicamos dentro da série em homenagem ao Aniversário de Itaocara

Henrique Resende provavelmente é o itaocarense número um, que está entre nós. Sua arte impressiona pelo talento. E SEU amor por ITAOCARA é marcante. Leia abaixo o bate papo que publicamos em 2013.
Henrique Resende ao lado de Dercy Gonçalves e Fernanda Montenegro
Nova Voz ONLINE - Desde quando foi possível perceber que você tinha talento artístico?
Henrique Resende - Quando eu tinha por volta dos 5 anos de idade ficava maravilhado quando minha mãe desembrulhava os pães pela manhã. Aquele papel tosco e grande. Não queria os pães e sim desenhar no suporte meio amassado. Naquela época, mesmo antes de aprender a ler e escrever, criava estórias em quadrinhos, e ditava para minha mãe escrever. Estas foram as minhas primeiras experiências.

Nova Voz ONLINE - A partir daí, ou seja, da consciência de que tinha habilidades especiais para as artes plásticas, o que fez visando trabalhar este talento?
Henrique Resende - As coisas foram acontecendo naturalmente. Nada foi repentino. A arte, para mim, sempre foi uma necessidade interna. Desde criança a minha paixão era o desenho. Por volta dos 12 anos, comecei a ler sobre os grandes gênios da pintura. Fui crescendo e a paixão cresceu junto. Meus pais sempre apoiaram muito, criando um ambiente permissivo para minhas viagens criativas. Meus pais sempre tiveram muito orgulho das minhas habilidades com o desenho.
Henrique em seu Ateliê trabalhando um busto Dom Pedro II
Nova Voz ONLINE - Dizem que os artistas mudam de fase, assim como os passarinhos, mudam de penas. Houve um momento em que você tinha enorme admiração por Salvador Dali. O que o levou a mudar de opinião sobre ele?
Henrique Resende - Gostar de Salvador Dalí é natural para todo artista iniciante. Acontece que, embora com um talento indiscutível, o Dalí deixou de “pintar arte” para “pintar espetáculos”.

Nova Voz ONLINE – Como assim?
Henrique Resende - Quando surgiu o surrealismo e o Dalí passou a fazer parte do movimento, ele era muito melhor. Pintava pequenas telas. Era como se essas telas falassem de coisas íntimas. Guardadas no subconsciente. Suas imagens estavam em consonância com a proposta. Mas depois, deixou de ser verdadeiro consigo mesmo, para produzir algo que chamasse mais a atenção de um público pouco preparado.

Nova Voz ONLINE – O surrealismo encontrou nele seu ápice?
Henrique Resende – Não. Existem pintores surrealistas muito melhores que o Dalí, como por exemplo o Magritte. Mas para apreciar uma boa pintura, o público não precisa estudar ou ter grandes conhecimentos de arte. Basta acostumar os olhos e a alma às várias manifestações e estilos, olhando não só o Dali, mas também grandes gênios como Odilon Redon e Gustav Klint. Com os olhos acostumados, podemos perceber claramente uma arte de boa ou de má qualidade.

Henrique Resende e Itaocara

Nova Voz ONLINE - Qual é a conexão entre sua arte e o município de Itaocara? Em que nossa cidade lhe influencia?
Henrique Resende - Meus trabalhos carregam uma espécie de “sotaque” do interior. Não tanto pela temática. Meus quadros e esculturas deixam perceber uma espécie de poética caipira. Na verdade é algo que realmente busco.
O Monumento ao Frei Tomás
Nova Voz ONLINE – Pode explicar melhor?
Henrique Resende - Quero refletir alguma coisa realmente verdadeira. E a verdade na arte não é apenas uma verdade que reside no interior do artista, mas o que está no ar e ao redor dele. Não que queira realizar um trabalho regionalista. Mas é no meio mais familiar que descobrimos coisas realmente singulares e ao mesmo tempo universais e que toquem em coisas mais amplas como a condição humana.

Nova Voz ONLINE - Você é também um artista engajado no movimento cultural da cidade. É membro fundador da Associação Itaocarense de Artistas, desde o início participa do Teatro Rock Hudson, tem escola de pintura. Qual é a relevância dessa atividade?
Henrique Resende - É importante trabalharmos para que a vida seja levada, não apenas prosaicamente, mas poeticamente e de maneira mais leve. Coisas simples devem ser apreciadas, e quanto mais se conhece, mais se aprecia. Tudo o que diz respeito às raízes, às manifestações espontâneas, às realizações do pensamento e do espírito humano me interessam e de alguma forma fazem parte da minha vida.

Nova Voz ONLINE - Entre suas obras, haveria alguma que se destaca individualmente? Citando um exemplo, pintar o teto da Igreja de São José de Leonissa, foi um marco em sua carreira?
Henrique Resende - Há trabalhos que realizei que gosto mais. Outros menos. E ainda há os que não gosto. Quanto ao teto da Igreja Matriz de Itaocara, foi uma experiência fascinante pintá-lo. Foram dois meses e meio naquele trabalho. Pude conhecer melhor a vida de São José de Leonissa, o padroeiro de Itaocara, que é a única cidade do Brasil que tem como padroeiro este Santo italiano.

Nova Voz ONLINE – Que interessante.
Henrique Resende - Para criar a pintura, busquei levar em conta a arquitetura da Igreja, para não virar apenas um adorno de superfície. A cena principal mostra o momento em que um anjo enviado por Deus, salva São José de Leonissa da morte. Ele havia sido condenado a “pena do gancho” pelo Sultão que não queria ouvir as pregações do Santo. A pena consistia em pendurar o condenado num poste por dois ganchos, um cravado em uma das mãos e o outro num dos pés e, embaixo, uma fogueira. Escolhi retratar esta passagem pelo grande impacto visual que ela poderia ocasionar.

Nova Voz ONLINE - Tenho certeza de que se há algo que satisfaz o artista, é expor publicamente sua obra. Nessa perspectiva, que importância dá ao trevo de Itaocara, ao busto de Patápio Silva e a estátua do Frei Thomas, monumentos perenes na vida de nossa cidade?
Henrique Resende - Para que exista a arte, são necessárias três coisas: O artista, a obra e o público. Nos espaços convencionais, dedicados à arte, o público acaba sendo restrito. Muitas vezes elitizado. Por isso, acho muito importante obras de arte em espaços abertos e públicos. É uma honra muito grande ter alguns trabalhos meus espalhados pela cidade em que nasci.

Dercy Gonçalves

Nova Voz ONLINE - A Dercy Gonçalves é alguém importante em sua carreira. Fale um pouco dela e do monumento que esculpiu da famosa artista brasileira?
Henrique Resende - Dercy foi um presente maravilhoso pra mim. E veio num momento fascinante e meio como “atração”. Explico: sempre gostei muito de desenhar idosos. No colégio era assim. Quem estudou comigo sabe disso. O tempo passou e continuei produzindo e retratando idosos.
Dercy imortalizada por Henrique Resende
Nova Voz ONLINE – Essa não sabia.
Henrique Resende - Em 2002 iniciei uma série de pinturas em que retratava velhinhos de um asilo. No ano seguinte, ainda produzindo trabalhos dessa série, surge a Dercy e a encomenda do monumento. Pude então conviver um pouco com a velhinha mais fantástica que poderia surgir.

Nova Voz ONLINE – Grande personalidade, não é mesmo?
Henrique Resende - Dercy foi uma força da natureza. Um furacão de paixão pela vida. Um exemplo de dignidade e transparência. E foi a transparência que busquei retratar e expressar no monumento. Uma escultura de quatro metros de altura e aproximadamente dez toneladas, que se encontra na cidade natal da atriz.

Nova Voz ONLINE – Isso impactou seu processo de criação?
Henrique Resende - Com a realização desse monumento, algumas questões começaram a me interessar mais, como por exemplo, a leveza da forma escultórica e a relação da forma com o seu entorno. Então resolvi me aprofundar mais em escultura e, com os recursos que recebi pelo monumento, fui para a Itália (cidade de Carrara) estudar na Arco Arte com o artista Boutros Romhein.
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