“Professor, você é gay?”, perguntou-me um aluno em meu primeiro dia de aula naquela turma, naquela escola. Ele tinha doze anos. Minhas mãos gelaram. Aquela pergunta nunca havia sido feita tão diretamente havia alguns anos, desde que minha mãe me indagou aos dezessete.
Henrique Kort-kamp é Doutorando, Mestre, Bacharel e Licenciado em História. Graduando em Filosofia e Pedagogia. Formado em Música - Foto: @ju_nin__
Devolvi com outra pergunta: por que isso é importante para você? Ele ficou quieto. Não sabia dizer o porquê era importante saber aquilo. Eu fui para casa pensando nisso. “E se fosse uma questão de representatividade?”, pensei. Queria aquele aluno buscar alguém como ele, alguém em quem pudesse se inspirar e ver naturalidade em algo pintado pela sociedade como antinatural? Ou era uma pergunta carregada de preconceitos que havia aprendido em algum meio no qual estava inserido? Seria eu demitido caso respondesse positivamente? Achei que jamais saberia a resposta, mas aquilo martelou em minha cabeça. Estava eu fugindo? Fingindo? Me enganando ou enganando a ele?
No mesmo ano, postei uma foto na mesa da praça de alimentação de um shopping. Estava com dois amigos. Dois amigos gays. Um deles mais tarde viria a ser meu namorado. Havíamos acabado de comer. Mal sabia que aquela foto tornaria aquela semana na pior da minha vida.
Ouvi do meu próprio pai que eu não era seu filho, que eu deveria estar estudando. Me encolhi, não retruquei, excluí a foto e chorei. Hoje eu já o perdoei, mas essa era minha vida há alguns anos, quando mudei de cidade. Sentia o que tinha que sentir assim, quieto, distante da minha família. Não entendia o porquê uma foto poderia incomodar tanto.
Por que eu não poderia, assim como tantos amigos meus, héteros, postar uma foto com meus amigos? Ainda mais uma foto tão inocente, sem sequer possuir uma demonstração de afeto mais íntimo – não que isso seja um problema.
Me lembrei das vezes que apanhei por ser quem eu era, da vergonha que sentia quando apontavam para mim – ainda criança – me ofendendo com termos pejorativos. Lembrei-me de quantas vezes desejei que aquelas palmadas surtissem efeito e eu, de fato, mudasse, virasse outra pessoa. Só Deus sabe o quanto tentei.
Ser gay no mundo atual é isso. É um ato de resistência. Não é uma escolha, nascemos assim. Mas se entender, se aceitar e, principalmente, escolher continuar vivendo é resistir, porque tudo a sua volta grita que você não é bem-vindo, que você é uma aberração, que você não deveria existir. E às vezes a dor é tanta que nós sucumbimos. Muitos se entregam ao suicídio, a automutilação, às formas mais dolorosas e cruéis de autotortura para aliviar a crueldade do outro e a dor que é viver nesse mundo.
Todo mundo deveria assistir ao filme “Orações para Bobby”, de 2009, para entender um pouco desse sofrimento.
Ser gay é viver na dúvida se será aceito, se será maltratado, se será amado, se será rejeitado ou, ainda pior e mais real impossível: se será agredido. E eu ainda me questiono: quando nossa sociedade perdeu nossa humanidade e entendeu que poderia violar o corpo do outro? Quem lhe deu o direito de invadir aquilo que há de mais nosso para ferir simplesmente porque você “não gosta” de tal comportamento? E quantas vezes a justiça fechou os olhos para essas violações? Afinal, é mais interessante se preocupar com a violação de bens materiais do que com a violação não só corpo, mas da essência de uma pessoa.
Hoje, dia 17 de maio de 2021, é o Dia Internacional contra a Homofobia. E você deve lutar contra ela não somente se você for gay, não somente se alguém da sua família for gay, mas se você for humano, se você se incomodar com o fato de que pessoas são agredidas simplesmente por andarem na rua, por serem quem são, por viverem.
Precisamos continuar vivos, precisamos que as vozes daqueles homossexuais que perderam as suas vidas por conta da homofobia (sim, a cada 23 horas um homossexual é morto no Brasil por puro e simples ódio) não sejam esquecidas. Pegando emprestado o termo do movimento antirracista, no mundo atual não é preciso que você apenas não seja homofóbico, mas que você seja “anti-homofobia”.
Que texto perfeito! Extremamente emocionada e representada!
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