A origem humilde jamais desanimou este grande itaocarense
O casal Waltair e Fátima, ladeados pelos filhos Vanessa e Thiago
Quem o vê caminhando pelas ruas, com voz
suave, temperamento afável e coração bondoso, jamais pode imaginar que a vida
do mais renomado farmacêutico de Itaocara, Waltair Sias Gomes, teve muitos
momentos de luta contra as dificuldades. Filho de família pobre, só conseguiu estudar
graças ao seu mentor, Otílio Pontes, que abriu as portas para o menino simples
do Engenho Central, se tornar um dos mais importantes homens da história de
Itaocara.
Nova
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– Que lembranças têm de seus pais?
Waltair
Sias
– Meu pai chamava-se Waldir Gomes da Silva e minha mãe Esther Sias Gomes. Ambos
eram dedicados a mim e ao meu irmão, Walter. Meu pai era o protótipo do homem
trabalhador, mecânico das locomotivas que puxava os vagões de cana de açúcar na
Companhia do Engenho Central Laranjeiras. Minha mãe, uma pessoa simples, com
coração grandioso. A educação e os valores que recebemos deles, jamais
esquecemos, principalmente sobre a importância da família. Nunca vi meu pai e
minha mãe, gritando um com o outro. Esse mesmo respeito tornou-se modelo para
mim, quando me casei.
Nova
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– Como foi o início de sua vida?
Waltair – Nasci na
fazenda do Engenho Central, numa época boa e saudosa, quando praticamente as
melhores coisas que existiam na região, desde o lazer, até a saúde, o Engenho
era a referencia. Estudei no Colégio da Dona Cora, concluindo lá o primário.
Com dez anos, tive que parar de estudar, pois minha família era humilde e não
tinha como pagar para que fizesse o ginásio, que só existia em Itaocara.
Nova
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– Não parece ser tão distantes, o Engenho de Itaocara.
Waltair – Em 2018, sem
dúvidas, não poderia ser tão próximos. Mas estou falando doutros tempos, quando
não havia nem sombra deste movimento de veículos, indo e vindo, de Laranjais
para Itaocara, dos dias atuais. A estrada era de terra e a única condução
certa, o trem. Então, apesar de na geografia, os 15 km que separam as
localidades continuarem os mesmos, a facilidade de ir e vir atualmente é 2000 %
maior.
Nova
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– Como conseguiu superar está dificuldade?
Waltair – Neste meio
tempo, o farmacêutico do Hospital do Engenho, Sr. Hernanes Campanhe, e o médico
Dr. Salim Elias, me viam andando na rua, sem ter o que fazer. Perguntaram-me se
não gostaria de trabalhar com eles, na Farmácia. Nem podia imaginar que ali
iniciava uma carreira que levaria para o resto da vida. Lá aprendi bastante. O
movimento era grande. Atendíamos 630 funcionários. Foi quando o farmacêutico
Otílio Pontes, soube sobre um garoto na farmácia do Engenho, que aprendia
rápido e queria estudar, mas não tinha condição.
Nova
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– Assim que veio para Itaocara?
Waltair – Sim. Cheguei
no dia 16 de abril de 1958, sem conhecer ninguém. Fui estudar no João Brazil
(atual Colégio Municipal Nildo Caruso Nara), aonde terminei o ginásio, correspondente
a atual 8ª série. Depois cursei o Normal, que é o equivalente ao ensino médio. Conclui
ainda o curso Técnico em Contabilidade, no famoso Colégio Itaocara, dirigido
pelo célebre professor Nildo Nara. Minha formação de nível médio é de Professor
Primário e Técnico em Contabilidade, o que na época era bastante, se pensarmos
nas dificuldades que existiam para estudar. Anos mais tarde, me graduei em
Direito na faculdade.
A
compra da Farmácia Itaocara
Nova
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– O Brasil viveu um período conturbado de sua história, com o golpe militar de
1964. Que lembranças têm daqueles dias?
Waltair – Em 1966 me
alistei e fui servir no I Regimento de Cavalaria de Guardas, nacionalmente
conhecido como os Dragões da Independência. Fui designado para prestar serviços
no Palácio das Laranjeiras, na guarda do primeiro Presidente da República da Revolução,
O Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Foram
realmente anos terríveis para o nosso país, sem liberdades civis, nem direitos
políticos. Nas ruas o que se via eram conflitos que impediram o desenvolvimento
de uma geração de jovens brasileiros. Foi lastimável.
Nova
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– Quando voltou para Itaocara?
Waltair – Só cumpri o
tempo obrigatório e já em 1967, estava de volta. Fui trabalhar no Banco
Agrícola de Cantagalo, comprado posteriormente pelo antigo BANERJ, hoje Banco
Itaú. Nesse período tive a oportunidade de comprar a Farmácia Itaocara, em
sociedade com meu amigo Paulo Lorosa. Mesmo assim, foram dois anos até
concretizar a negociação, pois não tinha dinheiro. O senhor Otílio Pontes nos
financiou em 70 meses, mas queria um avalista para cada promissória. O senhor
Zeca do Roque, pai do Paulinho Lourosa, convenceu o Otílio a aceitar seu aval
nas 35 parcelas que caberiam a ele, porém eu tive que conseguir os avalistas.
Nova
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– Tem algum detalhe importante nesta história?
Waltair – Trabalhava no
BANERJ, que tinha como norma não emprestar dinheiro a funcionário. Mas nesses
momentos é que sentimos Deus atuando em nossas vidas. O Edgar, que era gerente
do Banco Predial (atual Unibanco), me sugeriu que pedisse ao meu tio, Noé da
Rocha Sias, que pegasse um empréstimo no nome dele, um fazendeiro respeitado e
de crédito. Bastante sem jeito pedi ao meu tio, que para minha felicidade me
deu todo apoio.
Nova
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– Então ficou tudo resolvido?
Waltair – Esse
empréstimo bancário era para pagar minha parte na entrada do negócio. O
restante teria que encontrar 35 avalistas. Quando faltavam cinco, já não tinha
a quem pedir. Foi quando num desabafo com o senhor Marino Ornelas, disse que
iria desistir. O Ataíde Faria (ex-prefeito de Aperibé), que era compadre do
Otílio ouviu a conversa e, junto com o Marino, assumiram o aval das cinco
promissórias faltantes. Só assim, consegui finalizar a compra da Farmácia.
Faria
Souto e Joaquim Monteiro
Nova
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– Que lembrança tem da Itaocara daqueles tempos?
Waltair – Éramos uma
cidade bem parecida com a que vemos nos filmes do velho oeste, com muitos
cavalos andando pelas ruas. Automóveis só existiam uns cinco ou seis. Toda
cidade, ia da Ponte Ary Parreiras, até a Ponta da Areia. Nossa diversão era o
banho de rio nos domingos, as serestas, muitas vezes feitas ao luar e os jogos
de futebol.
Nova
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– Qual o papel o Dr. Carlos Moacyr Faria Souto, teve na cidade?
Waltair – O Dr.
Carlinhos já tinha sido Prefeito uma vez, quando me mudei para Itaocara. Ao ver
o recanto pela primeira vez, perguntei a um amigo quem tinha construído. Ele
respondeu: Faria Souto. E a piscina? Faria Souto. E o rinque de patinação?
Faria Souto. E a biblioteca pública? Faria Souto. E o dancing? Faria Souto. A
escadaria? Faria Souto.
Nova
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– Tudo o Faria Souto?
Waltair - Esse era o
Faria Souto. O homem que fez quase tudo de belo que nós temos. Depois, nos anos
1970, quando foi novamente Prefeito, prestava contas de seus atos em Praça
Pública. Vinham ônibus de turismo para conhecer Itaocara. Quando a Praça
Estados Unidos foi inaugurada, ele pediu uma sequóia, símbolo da nação Americana,
para ali plantar, representando a amizade entre os povos. Quem veio trazer a
muda, foi o Cônsul dos Estados Unidos no Rio de Janeiro. Por tudo isso, passamos
da hora de prestar uma grandiosa homenagem em memória deste extraordinário
itaocarense.
Nova
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– E o Joaquim Monteiro?
Waltair – Como
característica pessoal, era o inverso do Faria Souto. Um homem rústico, mas de
uma capacidade para trabalhar impressionante. Tanto que conquistou a simpatia
das pessoas no município e em todo Estado. Lembro-me de uma vez que fomos numa
audiência, com o então Governador do Rio de Janeiro, Chagas Freitas. Depois de
dizer o que queria, acrescentou: “o senhor resolva isso agora, pois estou com
pressa”. E o Governador resolveu. O Joaquim ficava contrariado, quando não
conseguia atender a quem lhe procurava. Para a zona rural, foi um Prefeito
extraordinário.
Monsenhor
Saraiva
Nova
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– Outro amigo que você conquistou durante os anos em Itaocara, foi o Monsenhor
Saraiva. O que tem a dizer sobre ele?
Waltair – Ele foi meu
professor e é meu amigo. Um pároco que sempre atendeu a todos, sem exigir nada
em troca. Quando sua mãe, dona Aide, ficava doente, eu quem atendia. São
incontáveis o número de cerimônias que realizou. Tenho a honra de dizer que o
meu casamento e o batismo dos meus filhos, foram celebrados pelo Monsenhor
Saraiva. No meu casamento, ele disse que estava casando um cristão e um amigo.
No dia que a minha filha Vanessa nasceu, me deu uma carta lacrada e pediu para
guardá-la e só abrir quando ela fizesse 15 anos. Na missa dos 15 anos que
celebramos, ela abriu a carta e leu para os presentes. Essa é minha ligação com
o Monsenhor.
Nova
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– Ele é bastante político, não é Waltair?
Waltair – Diria que sua
figura é tão grandiosa, que engloba muitos aspectos de Itaocara. Durante
bastante tempo, teve o papel central do que acontecia no município. Prefeitos
iam e vinha, mas o Monsenhor Saraiva permanecia, fazendo sentir sua presença.
Foi Secretário de Educação do Joaquim Monteiro. Protegeu aos que precisavam,
quando o Brasil viveu a ditadura militar. Em resumo, é um ícone de Itaocara.
O
casamento
Nova
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– Como conheceu sua esposa, Dona Fátima?
Waltair – Ela era a
moça mais linda que tinha vindo estudar em Itaocara. Só existiam duas
farmácias. Notei que ela passou a me dar uma preferência grande, na hora de
fazer alguma compra (risos). Toda vez que ela aparecia, meu coração sorria de
felicidade. Meu coração continua disparando por ela (risos). Assim começou a
paquera, surgiu o namoro e em 1977 tive a felicidade de me casar com a Fátima,
o que foi a melhor coisa que fiz na vida. Da nossa união, veio a Vanessa e o
Thiago, dois filhos maravilhosos, que nunca me deram trabalho algum. Pelo
contrário, só alegria.
Nova
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– O convívio ensina lições?
Waltair – Com certeza. Cada
um tem o seu jeito. Quando nos casamos, encontramos quem amamos, mas tem uma
maneira diferente de ver o mundo. É a perfeita oportunidade de aprender coisas
novas. A Fátima me ensinou bastante. Transformou-me para melhor, através do
carinho e do amor que depositou em mim. Não só no lar, até nos negócios e na
nossa vida religiosa.
Nova
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– Depois de contar está história admirável de vida, que mensagem teria para os
itaocarenses?
Waltair – Nunca
desanimem. Por mais difícil que seja a luta, quem persiste sempre vai encontrar
a vitória no final. Os desafios forjam o caráter. Além disso, tenha uma
religião. Fé em Deus é fundamental. Abaixar a cabeça, fechar os olhos e
principalmente agradecer pelo pão que está em nossas mesas e pela família que
possuímos, ajuda muito a ser feliz. Parabéns aos munícipes e que construamos a
cada dia, um amanhã melhor. Feliz aniversário Itaocara!
Maravilhoso li todo e li para meu marido Adilsom ouvir pois temos por você uma grande admiração, parabéns para nós por ter um Itaocarense com uma história tão bonita.
ResponderExcluirUma história de vida inspiradora. Um exemplo de cidadão e um ser humano da melhor qualidade.
ResponderExcluirO comentário acima, apesar de estar "assinado" como Luísa, na verdade, é de minha autoria _ Valéria Faria Leão . Por um descuido, não percebi que estava trabalhando no computador com o perfil da Luísa aberto. Me desculpe, não consegui editar. Abraço.
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