Dona Dirce é uma das mais
conhecidas itaocarenses. Famosa pela comida sempre deliciosa, que serve aos
clientes e amigos do Hotel Zezé, é também lembrada pelos ex-alunos, como professora
enérgica, mas que tinha sempre uma palavra amiga a oferecer. Com sua vida, ajudou a construir os 128 anos do Município.
Nova Voz – Quais são as principais lembranças da infância?
Dona Dirce – São muitas. A começar pelo meu pai, Moacir Henriques
Duarte, um homem maravilhoso. Enérgico e compreensivo, ao mesmo tempo. Adorava
participar de festas. Já de minha mãe, Maria Teresa Duarte, lembro das comidas
deliciosas que preparava para nós, seus filhos. Até hoje nossa cozinheira, que
está conosco faz 38 anos, e é da família, guarda receitas que aprendeu com
minha mãe. Eu, Elza, Iná, Monclar, Edilá e Enir, éramos muito unidos.
Nova Voz – E dos momentos difíceis, quais são as lembranças?
Dona Dirce – Da poliomielite que meu pai foi acometido, quando eu
ainda era criança. Ele ficou sem os movimento das pernas, o que nos levou a ter
que trabalhar logo cedo, para que pudéssemos manter as despesas da casa.
Começamos então a vender marmitas. Eu e minha irmã, Édila, entregávamos as
marmitas aos clientes. O Monclar aprendeu o ofício de alfaiate com o Sr. José
Caldeira. Minha irmã Elza era muito estudiosa e seguiu o caminho da educação. Em
1942, se formou professora. Assim fomos superando as dificuldades.
Nova Voz – Essas dificuldades fizeram os irmãos mais unidos?
Dona Dirce – Com certeza. Até hoje persiste essa união. Meus
sobrinhos são como filhos para mim. Os irmãos, bem mais que irmãos.
Nova Voz – Numa época em que não se valorizava tanto a educação,
principalmente das mulheres, seu pai era diferente. Incentivava a senhora e
suas irmãs a estudarem, não é mesmo?
Dona Dirce – Meu pai fazia questão que os filhos estudassem e
fossem educados. Comecei no Grupo Escolar Saldanha da Gama (onde fica o antigo
fórum), fazendo lá até 5° série. Depois tive que parar, pois não possuía
condição de freqüentar as escolas de Pádua, Miracema ou ir para o Rio. Porém,
em 1947, foi criado o Colégio Itaocara.
Nova Voz – E suas irmãs?
Dona Dirce - Édila e Eni estudavam em Cantagalo e vieram
transferidas para cá. O Dr. Whagabhi trouxe os cunhados, Roberto, Antonio José
(o magro do MPB 4), Carlinhos e mais outros colegas para Itaocara. De Laranjais
vieram muitos alunos. Lembro-me do Nico Alves (avó do Dr. Paulo Roberto da
CEDAE). Quem também estudava fora e retornou foram a Dioneia, a Gladys
Caldeira, a Emília Maia e a Marli. O Colégio Itaocara começou com todas as
séries, graças ao Sr. Juca Rocha, cuja visão trouxe os itaocarenses de volta para
casa.
Nova Voz – Como era a vida social nesta época?
Dona Dirce – Dos tempos de criança, lembro-me dos bailes da
primavera, que os jovens curtiam dentro de uma pureza maravilhosa. Ainda não
tinha idade para freqüentar, mas ficava ouvindo as histórias e sonhando com
minha vez de ser adolescente. Tínhamos o Clube Malba Tahan e a estação de rádio
da praça, onde dávamos a volta ouvindo música. Coisa que hoje só se vê nos bons
filmes do cinema. As conversas entre os jovens e mesmo com os pais eram muito
importantes. Ouvíamos histórias que sempre nos ensinavam algo.
Nova Voz – Como conheceu o Sr. Florentino, com quem veio a se casar?
Dona Dirce – Ele era um homem ótimo. Minha família gostava dele
desde os tempos em que eu era menina e ele um jovem. Antes de mim, Florentino
já havia sido casado, mas ficou viúvo. Depois que passou o tempo do luto, ele
realmente começou a me procurar. Era até engraçado, pois aonde ia, encontrava
com ele. Aposto que não por coincidência. Mas tudo com muito respeito, como era
o costume da época. No início não quis namorar. Entretanto, no dia 18 de Maio
de 1958, não resisti a tanto charme e nos casamos. Ficamos juntos até o ano de
2003, quando ele faleceu. Se fui o amor da vida dele, com certeza, ele é o
grande amor da minha vida.
Nova Voz – Qual é o segredo de manter um casamento tão longevo
assim?
Dona Dirce – Compreensão. Brigar sobre quem está certo e quem está
errado, não ajuda em nada. É preciso ter um sentimento maior de que a relação
não permite egoísmo. No casamento, duas pessoas passam a ser uma só. Assim é possível
manter um casamento de 45 anos.
Nova Voz – O companheirismo também é importante?
Dona Dirce – Sim. O Florentino sempre esteve ao meu lado na
realização dos meus sonhos. Em 1972, fui fazer faculdade em Nova Friburgo ,
contando com seu apoio. Quando meu pai mudou-se e nos deixou o Hotel, ele foi
meu parceiro. E olha que era funcionário do Ministério do Trabalho, mas mesmo
assim trabalhava junto comigo. Um marido realmente maravilhoso. Amigo e
compreensivo.
Nova Voz – Seus sobrinhos são bem chegados à senhora, não é mesmo?
Dona Dirce – São filhos. Lembro-me que o Monclar, meu irmão, era
Oficial de Justiça em Cordeiro. Quando a Moncléia nasceu, vieram para Itaocara.
Desde essa época estão aqui conosco. Todos sempre me respeitaram e até hoje
respeitam. Tenho muito orgulho deles e dos meus filhos. Pessoas de bem, que
criaram suas famílias com honra e dignidade.
Nova Voz – E os filhos, Tadeu e Thereza?
Dona Dirce – O Tadeu nasceu com seis meses e lutou muito, já naqueles
primeiro dias, para sobreviver. Não existia essa tecnologia toda de hoje, com
incubadoras modernas. Tivemos que mantê-lo no algodão, até que saísse do risco.
É um filho que amo e sinto orgulho, pela coragem que tem de superar os
problemas, com altivez e cabeça erguida. Já Thereza seguiu meus passos e
tornou-se professora. É formada ainda em Ciências Sócias ,
pela faculdade Santa Dorothéa, em Nova Friburgo. Querida
pelos alunos e admirada pelos colegas professores. Sua marca principal é a
alegria e o modo de receber os outros com coração aberto.
Nova Voz – Quem são as personalidades que senhora mais aprecia e
acha que colaboram com a história de Itaocara?
Dona Dirce – Minha admiração vai para todos os professores! Nós,
professores, temos uma missão especial. Infelizmente, desvalorizada, pelos
governos e pela própria sociedade. Gente como a professora Jaysa Pinheiro, que
tantas e tantas gerações de itaocarense ajudou a formar. A Elza Duarte (minha
irmã), professora de música e arte. Dona Inaiá Monteiro de Paiva, que foi
diretora; Dona Eni Seixas Pires. Estas dos meus tempos iniciais na educação. Depois
veio o Professor Nildo Nara, que sucedeu Silvio Freire na Direção do Colégio
Itaocara.
Nova Voz – A senhora menciona muito o Dr. Sabino, não é mesmo?
Dona Dirce - Dr. José Sabino Catete Silva, um dos maiores
itaocarenses da nossa história. Injustamente pouco lembrado. Foi quem construiu
o primeiro prédio do antigo João Brazil (atual Colégio Nildo Nara). Lembro-me
que era muito exigente, gostava de tudo certo e ao mesmo tempo uma pessoa
grandiosa, daqueles que tem o coração que não cabe no peito de tanto querer
fazer o bem.
Nova Voz – Mais alguns?
Dona Dirce – MUITOS! Meu amigo William Rimes. Grande professor,
escritor e poeta. O Monsenhor Saraiva, que foi professor de Frances e marca
Itaocara pela preocupação com o próximo. José Jorge (Bechara), que tenho o
prazer de dizer que foi meu aluno. Alias, o Dr. Alcione Araújo, Prefeito de
Itaocara, foi meu aluno. Os ex-prefeitos Dr. Robério e o José Romar. O Faria
Souto, a maior e melhor referencia de muitas gerações, pelo brilhantismo e
genialidade. O senhor Carlinhos Soares, que foi responsável pela disciplina no João
Brasil e amava aquela escola. A Noêmia e o Tãozinho: não consigo imaginar
pessoas melhores. Além de mestres em português e matemática. Noêmia e Tãozinho
sempre se preocuparam com o futuro dos alunos, muito além das notas das provas.
Há diversos outros. Gente humilde e grandiosa ao mesmo tempo. Itaocara é terra
de gigantes.
Nova Voz – Nestes anos de vida da senhora, a família mudou muito. No
Dia das Mães que se aproxima o que teria a dizer aos leitores?
Dona Dirce – Todas as famílias têm direito de educar os filhos da
forma que pensam ser melhor. Mas o amor não pode faltar. Esse amor precisa se
manifestar de várias formas. Beijos, abraços, carinhos, com certeza. Mas às
vezes demonstramos amor com uma repreensão a um filho ou a um sobrinho, quando
fazem algo que não devem. Dizer não ou dar uma palmada machuca a quem precisa
educar; mas nem o pai, nem a mãe, podem abrir mão de mostrar quais são os limites
a serem obedecidos. Especialmente quando os filhos são crianças e adolescentes.
Ao se tornarem adultos, eles vão reconhecer e contar como foi bom ter sofrido
aquela reprimenda.
Nova Voz – Domingo vai ganhar presente de filhos, sobrinhos, netos
e etc? (Entrevista publicada na época de um Domingo, dia das Mães).
Dona Dirce – Espero que sim (risos). Ter uma família grande tem
estas compensações. Recebo muitos abraços e beijos, nas épocas especiais do ano.
Nesse Dia das Mães não vai ser diferente. Tenho certeza que estarei recebendo
os parabéns de todos e vou retribuir com agradecimento, pois minha família é o
grande motivo da felicidade que sinto. Para outras mães, desejo o mesmo e peço
a Deus que permita mais do que presentes materiais, que são efêmeros na
realidade. Mas os presentes do coração, como as manifestações de amor entre
filhos e mães. Feliz Dia das Mães.
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