Texto escrito pelo Dr. Carlos Magno Daher, Membro Titular da Cadeira do Dr. Ferreira da Luz na Academia Paduana de Letras, Artes e Ciências (APLAC)
O Médico Dr. Carlos Magno Daher foi a casa do amigo Ronald Thompson, presenteá-lo com a publicação da Acadêmia Paduana de Letras onde este artigo está escrito
É uma honra
poder participar deste livro. Juntar minha biografia, a de grandes homens e
mulheres, deixando para posteridade, o registro dos fatos que marcaram nossas
vidas. Minha história começa em uma Santo Antônio de Pádua, muito diferente da
atual. A Revolução das Comunicações, a partir do advento da TV via satélite,
até as modernas tecnologias da era digital, transformaram o mundo de tal forma,
que a vida interiorana, praticamente acabou. Mesmo na zona rural, hoje, o
morador tem acesso a televisão, telefone celular e internet. Em minha infância,
nem luz elétrica existia. O rádio fazia parte do dia a dia. Mas a TV veio muito
depois.
Saudosas são as
lembranças das brincadeiras nas ruas de terra batida, de nossa então pequena
cidade. Infância maravilhosa. Meu pai, Chaquip Daher, era filho de imigrantes
libaneses. Minha mãe, Maria da Conceição Pegorim Daher, de imigrantes italianos.
Desta união nascemos eu e meus irmãos, Ana Lea, Marlene Maria, Fernando Michel,
Lucio Mauro e Chaquip Daher Júnior. A Igreja Católica tinha importância central
na cidade. Freqüentávamos as missas, participávamos das trezenas de Santo
Antônio, das ladainhas de Maio, em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, da
Páscoa dos Estudantes e vários outros. Grandes párocos, como Padre Diniz e
Padre Eduardo, deixaram a marca do trabalho evangelizador, fazendo tanto bem
pelo município. Líderes espirituais, que conquistaram o carinho da paróquia.
Com os primos,
tios e amigos, as brincadeiras típicas da infância e adolescência: banhos de
rio, pescarias, futebol e bate papo. Tudo inocente. Sem malícia. Era o mundo de
então. Penso que a televisão veio modificar vários dos costumes mais
tradicionais do interior. Lembro-me das visitas que minha família fazia, aos
parentes e amigos, à noite e nos finais de semana. Conversar era muito
importante. De repente, isto foi substituído pelas novelas e programas de
auditório. O famoso “fica quieto, porque estou assistindo meu programa”, acabou
com o sentimento de fraternidade que formava fortes laços entre as pessoas.
Recordo também de
uma das maiores alegrias de Santo Antônio de Pádua: a Banda Lira de Arion. Para
grande orgulho da família, meu pai foi Presidente da Lira por muitos anos.
Curtíamos as retretas nas praças, aos domingos. As Alvoradas, nos dias festivos
e na época das eleições. Quando a banda desfilava em seu uniforme de gala, era
possível perceber a expressão de felicidade no rosto do povo Paduano. Bons tempos.
Hoje o velho
Clube Social, parece uma relíquia do passado. Mas quando fecho os olhos, vejo
as moças e os rapazes, das melhores famílias, indo freqüentar os bailes. Nós,
de terno e gravata. Elas, elegantemente arrumadas, em seus encantadores
vestidos, na maioria das vezes, costurados pelas próprias moças, ou por famosas
costureiras da cidade. Existia uma atmosfera difícil de descrever em palavras.
Valores que todos possuíamos. Mesmo as paqueras e as amizades, tinham que ter
aprovação das famílias. Isso enobrecia os relacionamentos humanos. Longe, bem
distante, destes modismos atuais. “Ficar”, só se fosse para sempre.
A famosa
música, A Deusa da Minha Rua, em seu primeiro verso, diz assim: “A deusa da
minha rua, Tem os olhos onde a lua, Costuma se embriagar. Nos seus olhos eu
suponho, que o sol, num dourado sonho, vai claridade buscar”. E na minha rua,
tinha uma Deusa, por quem me apaixonei com a idade de 21 anos. Ela, então, com
15 anos. É a minha esposa, mãe dos meus filhos, grande amor de minha vida,
Maria Cristina Lima Daher. Já disse certa vez, e repito agora: a melhor decisão
que tomei em meus 71 anos, foi casar com a Christina, no dia 12 de Dezembro de
1970. Com ela vieram os filhos Ana Gabriela, João Paulo e João Gabriel. Três
presentes de Deus. Só nos dão alegrias, pela forma digna e responsável, como levam
suas existências.
Dr. Carlos Magno em Nova Iorque, ao lado do famoso Touro em Wall Street, o maior centro financeiro do planeta
Na medicina,
me formei pela Universidade do Estado da Guanabara – UEG (atual UERJ), no ano
de 1969. Sou Médico do Ministério da Saúde, Perito Legista da Secretaria de
Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Médico da Prefeitura Municipal de
Itaocara, Médico do Hospital Municipal de Itaocara, Médico do Hospital de
Aperibé, Médico e Sócio Fundador da Casa de Saúde João XXIII. Sou Membro
Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e da Sociedade Brasileira de
Radiologia. Depois da família, meu grande amor é a medicina. São 46 anos
devotados a atender, da melhor maneira possível, a todos que me procuram.
No ano de
1970, o também jovem médico, em início de carreira, Dr. Nelson Freitas
Rodrigues, me convidou para conhecer o trabalho feito no Hospital de Itaocara,
sob a liderança dos médicos, doutores Álvaro Pinheiro e Geomar Alves da Cunha.
Todos estavam empolgados com a ampliação deste nosocômio, o que me motivou a
iniciar os atendimentos, isto no dia 1º de Junho de 1970.
Seis meses
depois, começamos a construir a Casa de Saúde João XXIII. Não é possível
transmitir em palavras, quão arrojada foi essa iniciativa. A idéia de criar um atendimento
moderno, capaz de melhor receber a população, só foi possível, porque o sistema
gerido pelo INAMPS/INPS permitia. Remunerava os médicos de forma digna, criando
o espírito de empreender na saúde. Totalmente diferente do SUS atual. Iniciamos
as obras em Janeiro de 1971. A inauguração aconteceu em junho de 1975.
Trouxemos para Itaocara uma medicina atualizada. Este espírito move nossa
empresa até o dia de hoje.
Desde então, minha
profissão mudou completamente. Estamos na época da medicina dos aparelhos. Com
o máximo respeito que tenho pelos mais jovens, preciso destacar que sinto falta
da formação básica em clínica médica. Procedimentos como a Tomografia, a
ressonância, o ultrassom, e etc., fizeram desaparecer o profissional que chamávamos
de Clínico Geral, responsável pelo primeiro diagnóstico. Tudo passou a ser
resolvido por uma batelada de exames caríssimos, para felicidade das
multinacionais, que vendem e fazem a manutenção dos aparelhos. Nós, os médicos
mais antigos, só no contato do consultório, perguntando sobre o que o paciente
está sentindo, verificando o histórico, utilizando o medidor de pressão e auscultando
os pulmões, diagnosticamos 90 % dos casos, de modo preciso. Não sou contra a
tecnologia. Pelo contrário. Creio ser uma ferramenta extremamente útil,
especialmente nos casos difíceis de diagnosticar, o que ocorre na minoria das
vezes. Mas a medicina tem a ver com ouvir a aflição do outro. E não temos
máquina com está sensibilidade. Só os seres humanos podem fazer isto.
A medicina é uma
ciência desafiadora. Quem chega com uma dor abdominal, pode ter desde simples
prisão de ventre, até um câncer grave. Se não tiver as informações que falei
anteriormente, sobre o histórico de quem estamos tratando, não vai ler de forma
precisa, o resultado dos exames. É nesse momento que a experiência clínica
funciona, possibilitando direcionar o que realmente se quer saber. Diria que
99.99 % das vezes, vamos se acertar.
Fundamental
destacar que a saúde pública do Brasil, não consegue suportar os custos dessa
tecnologia. Por mais que a Secretaria tenha recursos, atender toda demanda é
impossível. Os exames de ponta são caríssimos, em função dos preços dos
equipamentos, que passam dos milhões de Reais. O resultado é a criação de um
fosso, que separa poucos centros de excelência, em todo país, rodeados por
grandes hospitais da União e dos Estados, repletos de graves problemas. Eu
prescreveria para o caso, que as universidades revissem a formação dos médicos,
tornado-a mais voltada à realidade financeira nacional. É preciso saber
diagnosticar, não somente no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas também no
Maranhão, no Piauí ou em regiões pobres, como é o caso do Noroeste Fluminense.
Alguns amigos
ficam impressionados, quando digo que mesmo após 46 anos de profissão, continuo
apaixonado pelo o que faço. Começo a trabalhar às 7 horas da manhã, indo, no mínimo,
até as 19 horas. Continuo tirando meus plantões de vinte quatro horas. Sou
médico do Hospital de Itaocara e da Casa de Saúde João XXIII. Sob meus
cuidados, nasceram mais de 16 mil crianças. A medicina está na minha veia.
Existem dois tipos de medicina. A de escrivaninha e a do campo de batalha. Eu
sou desta última. Deus me deu um talento, que nas horas críticas aparece, e
está a serviço das pessoas. Por isso oro, agradecendo, todos os dias.
Neste
trajeto, para nossa felicidade, fomos sendo reconhecidos. Recebi os títulos de
cidadania honoríficas dos municípios de Itaocara, Aperibé, Cambuci e São
Sebastião do Alto. Tenho a honra de ser membro da Academia Itaocarense de
Letras e da Academia Paduana de Letras, Artes e Ciências (APLAC). Gosto muito
do mundo intelectual. Graças ao meu filho, João Paulo, ter optado por uma
carreira de médico fora do Brasil, tive o privilégio de visitar as
Universidades John Hopkins, Cornell, Columbia e Maryland, nos Estados Unidos. A
Universidade de Sorbonne, na França. E as universidades de Oxford e Cambridge,
no Reino Unido. Nestes contatos, percebi a grande diferença civilizatória entre
os chamados países do primeiro mundo, e nós, os países em desenvolvimento.
Podemos fazer
muito melhor. Nós, brasileiros, somos um povo criativo. Temos toda capacidade
de atingir elevado grau de desenvolvimento. Porém, neste caminho, há hábitos
que precisamos corrigir. Não é permitido transigir com o erro, por menor que
seja. Mesmo coisas que consideramos de menor gravidade, como colar nas provas
da escola ou estacionar em local proibido, cria a cultura da subversão da ordem,
ao nosso bel prazer. É assim que a corrupção começa. Os escândalos que tomamos
conhecimento pela mídia nacional, têm início quando conquistamos algo de forma
imprópria. Miguel de Cervantes escreveu: “a
formosura da alma campeia e denuncia-se, na inteligência, na honestidade, no
reto procedimento, na liberalidade e na boa educação”. Acredito integralmente
nisto. Adoto essa retidão de princípios, como modo central da minha vida.
Algumas vezes
estive para entrar na política como candidato. Fico muito grato, inclusive, ao
povo itaocarense, que praticamente em todas as eleições, nas últimas quatro
décadas, lembrou-se do meu nome, para concorrer ao cargo de Prefeito. Vejo como
reconhecimento ao trabalho que sempre fiz na medicina. Até o presente momento,
venho resistindo aos apelos. Seria uma honra governar Itaocara, município que
adotei. Sei do grande potencial que possuímos. Breve vamos ter o início da
construção da Hidrelétrica. Há também previsão de exploração de uma grande
jazida de calcário. A beleza natural e o curso do rio ressaltam nosso potencial
grandioso, para a indústria do turismo. Acho que se for possível confluir todos
estes esforços, com o dinâmico e moderno comércio que já possuímos, podemos, em
uma década, ter o padrão de vida parecido, com as pequenas cidades que conheci
na Europa e nos Estados Unidos.
Sem dúvidas
nossa APLAC, com a iniciativa de editar este compêndio, vai deixar para
posteridade um importante registro histórico desta época. Quero concluir,
agradecendo a todos os Confrades, pela honra em compartilhar do convívio.
Espero que os historiadores do futuro, lendo nossos textos, possam entender um
pouco do momento histórico que passamos. Das profundas transformações ocorridas,
em tão poucas décadas, e a forma como nós, as vivenciamos.
Dr Carlos Magno foi uma bênção na minha vida e do meu marido que também se chama Carlos Magno. Quando nasceu o nosso filho caçula, o dr me ajudou muito, um grande profissional.
ResponderExcluirGrande ser humano. Exemplo pra todas as gerações.
ResponderExcluirAmei conhecer mais sobre sua vida.