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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Dr. Carlos Magno Daher fala sobre a vida


Texto escrito pelo Dr. Carlos Magno Daher, Membro Titular da Cadeira do Dr. Ferreira da Luz na Academia Paduana de Letras, Artes e Ciências (APLAC)

O Médico Dr. Carlos Magno Daher foi a casa do amigo Ronald Thompson, presenteá-lo com a publicação da Acadêmia Paduana de Letras onde este artigo está escrito

É uma honra poder participar deste livro. Juntar minha biografia, a de grandes homens e mulheres, deixando para posteridade, o registro dos fatos que marcaram nossas vidas. Minha história começa em uma Santo Antônio de Pádua, muito diferente da atual. A Revolução das Comunicações, a partir do advento da TV via satélite, até as modernas tecnologias da era digital, transformaram o mundo de tal forma, que a vida interiorana, praticamente acabou. Mesmo na zona rural, hoje, o morador tem acesso a televisão, telefone celular e internet. Em minha infância, nem luz elétrica existia. O rádio fazia parte do dia a dia. Mas a TV veio muito depois.

Saudosas são as lembranças das brincadeiras nas ruas de terra batida, de nossa então pequena cidade. Infância maravilhosa. Meu pai, Chaquip Daher, era filho de imigrantes libaneses. Minha mãe, Maria da Conceição Pegorim Daher, de imigrantes italianos. Desta união nascemos eu e meus irmãos, Ana Lea, Marlene Maria, Fernando Michel, Lucio Mauro e Chaquip Daher Júnior. A Igreja Católica tinha importância central na cidade. Freqüentávamos as missas, participávamos das trezenas de Santo Antônio, das ladainhas de Maio, em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, da Páscoa dos Estudantes e vários outros. Grandes párocos, como Padre Diniz e Padre Eduardo, deixaram a marca do trabalho evangelizador, fazendo tanto bem pelo município. Líderes espirituais, que conquistaram o carinho da paróquia.

Com os primos, tios e amigos, as brincadeiras típicas da infância e adolescência: banhos de rio, pescarias, futebol e bate papo. Tudo inocente. Sem malícia. Era o mundo de então. Penso que a televisão veio modificar vários dos costumes mais tradicionais do interior. Lembro-me das visitas que minha família fazia, aos parentes e amigos, à noite e nos finais de semana. Conversar era muito importante. De repente, isto foi substituído pelas novelas e programas de auditório. O famoso “fica quieto, porque estou assistindo meu programa”, acabou com o sentimento de fraternidade que formava fortes laços entre as pessoas.

Recordo também de uma das maiores alegrias de Santo Antônio de Pádua: a Banda Lira de Arion. Para grande orgulho da família, meu pai foi Presidente da Lira por muitos anos. Curtíamos as retretas nas praças, aos domingos. As Alvoradas, nos dias festivos e na época das eleições. Quando a banda desfilava em seu uniforme de gala, era possível perceber a expressão de felicidade no rosto do povo Paduano. Bons tempos.

Hoje o velho Clube Social, parece uma relíquia do passado. Mas quando fecho os olhos, vejo as moças e os rapazes, das melhores famílias, indo freqüentar os bailes. Nós, de terno e gravata. Elas, elegantemente arrumadas, em seus encantadores vestidos, na maioria das vezes, costurados pelas próprias moças, ou por famosas costureiras da cidade. Existia uma atmosfera difícil de descrever em palavras. Valores que todos possuíamos. Mesmo as paqueras e as amizades, tinham que ter aprovação das famílias. Isso enobrecia os relacionamentos humanos. Longe, bem distante, destes modismos atuais. “Ficar”, só se fosse para sempre.

A famosa música, A Deusa da Minha Rua, em seu primeiro verso, diz assim: “A deusa da minha rua, Tem os olhos onde a lua, Costuma se embriagar. Nos seus olhos eu suponho, que o sol, num dourado sonho, vai claridade buscar”. E na minha rua, tinha uma Deusa, por quem me apaixonei com a idade de 21 anos. Ela, então, com 15 anos. É a minha esposa, mãe dos meus filhos, grande amor de minha vida, Maria Cristina Lima Daher. Já disse certa vez, e repito agora: a melhor decisão que tomei em meus 71 anos, foi casar com a Christina, no dia 12 de Dezembro de 1970. Com ela vieram os filhos Ana Gabriela, João Paulo e João Gabriel. Três presentes de Deus. Só nos dão alegrias, pela forma digna e responsável, como levam suas existências.

Dr. Carlos Magno em Nova Iorque, ao lado do famoso Touro em Wall Street, o maior centro financeiro do planeta

Na medicina, me formei pela Universidade do Estado da Guanabara – UEG (atual UERJ), no ano de 1969. Sou Médico do Ministério da Saúde, Perito Legista da Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, Médico da Prefeitura Municipal de Itaocara, Médico do Hospital Municipal de Itaocara, Médico do Hospital de Aperibé, Médico e Sócio Fundador da Casa de Saúde João XXIII. Sou Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e da Sociedade Brasileira de Radiologia. Depois da família, meu grande amor é a medicina. São 46 anos devotados a atender, da melhor maneira possível, a todos que me procuram.

No ano de 1970, o também jovem médico, em início de carreira, Dr. Nelson Freitas Rodrigues, me convidou para conhecer o trabalho feito no Hospital de Itaocara, sob a liderança dos médicos, doutores Álvaro Pinheiro e Geomar Alves da Cunha. Todos estavam empolgados com a ampliação deste nosocômio, o que me motivou a iniciar os atendimentos, isto no dia 1º de Junho de 1970.

Seis meses depois, começamos a construir a Casa de Saúde João XXIII. Não é possível transmitir em palavras, quão arrojada foi essa iniciativa. A idéia de criar um atendimento moderno, capaz de melhor receber a população, só foi possível, porque o sistema gerido pelo INAMPS/INPS permitia. Remunerava os médicos de forma digna, criando o espírito de empreender na saúde. Totalmente diferente do SUS atual. Iniciamos as obras em Janeiro de 1971. A inauguração aconteceu em junho de 1975. Trouxemos para Itaocara uma medicina atualizada. Este espírito move nossa empresa até o dia de hoje.

Desde então, minha profissão mudou completamente. Estamos na época da medicina dos aparelhos. Com o máximo respeito que tenho pelos mais jovens, preciso destacar que sinto falta da formação básica em clínica médica. Procedimentos como a Tomografia, a ressonância, o ultrassom, e etc., fizeram desaparecer o profissional que chamávamos de Clínico Geral, responsável pelo primeiro diagnóstico. Tudo passou a ser resolvido por uma batelada de exames caríssimos, para felicidade das multinacionais, que vendem e fazem a manutenção dos aparelhos. Nós, os médicos mais antigos, só no contato do consultório, perguntando sobre o que o paciente está sentindo, verificando o histórico, utilizando o medidor de pressão e auscultando os pulmões, diagnosticamos 90 % dos casos, de modo preciso. Não sou contra a tecnologia. Pelo contrário. Creio ser uma ferramenta extremamente útil, especialmente nos casos difíceis de diagnosticar, o que ocorre na minoria das vezes. Mas a medicina tem a ver com ouvir a aflição do outro. E não temos máquina com está sensibilidade. Só os seres humanos podem fazer isto.

A medicina é uma ciência desafiadora. Quem chega com uma dor abdominal, pode ter desde simples prisão de ventre, até um câncer grave. Se não tiver as informações que falei anteriormente, sobre o histórico de quem estamos tratando, não vai ler de forma precisa, o resultado dos exames. É nesse momento que a experiência clínica funciona, possibilitando direcionar o que realmente se quer saber. Diria que 99.99 % das vezes, vamos se acertar.

Fundamental destacar que a saúde pública do Brasil, não consegue suportar os custos dessa tecnologia. Por mais que a Secretaria tenha recursos, atender toda demanda é impossível. Os exames de ponta são caríssimos, em função dos preços dos equipamentos, que passam dos milhões de Reais. O resultado é a criação de um fosso, que separa poucos centros de excelência, em todo país, rodeados por grandes hospitais da União e dos Estados, repletos de graves problemas. Eu prescreveria para o caso, que as universidades revissem a formação dos médicos, tornado-a mais voltada à realidade financeira nacional. É preciso saber diagnosticar, não somente no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas também no Maranhão, no Piauí ou em regiões pobres, como é o caso do Noroeste Fluminense.

Alguns amigos ficam impressionados, quando digo que mesmo após 46 anos de profissão, continuo apaixonado pelo o que faço. Começo a trabalhar às 7 horas da manhã, indo, no mínimo, até as 19 horas. Continuo tirando meus plantões de vinte quatro horas. Sou médico do Hospital de Itaocara e da Casa de Saúde João XXIII. Sob meus cuidados, nasceram mais de 16 mil crianças. A medicina está na minha veia. Existem dois tipos de medicina. A de escrivaninha e a do campo de batalha. Eu sou desta última. Deus me deu um talento, que nas horas críticas aparece, e está a serviço das pessoas. Por isso oro, agradecendo, todos os dias.

Neste trajeto, para nossa felicidade, fomos sendo reconhecidos. Recebi os títulos de cidadania honoríficas dos municípios de Itaocara, Aperibé, Cambuci e São Sebastião do Alto. Tenho a honra de ser membro da Academia Itaocarense de Letras e da Academia Paduana de Letras, Artes e Ciências (APLAC). Gosto muito do mundo intelectual. Graças ao meu filho, João Paulo, ter optado por uma carreira de médico fora do Brasil, tive o privilégio de visitar as Universidades John Hopkins, Cornell, Columbia e Maryland, nos Estados Unidos. A Universidade de Sorbonne, na França. E as universidades de Oxford e Cambridge, no Reino Unido. Nestes contatos, percebi a grande diferença civilizatória entre os chamados países do primeiro mundo, e nós, os países em desenvolvimento.

Podemos fazer muito melhor. Nós, brasileiros, somos um povo criativo. Temos toda capacidade de atingir elevado grau de desenvolvimento. Porém, neste caminho, há hábitos que precisamos corrigir. Não é permitido transigir com o erro, por menor que seja. Mesmo coisas que consideramos de menor gravidade, como colar nas provas da escola ou estacionar em local proibido, cria a cultura da subversão da ordem, ao nosso bel prazer. É assim que a corrupção começa. Os escândalos que tomamos conhecimento pela mídia nacional, têm início quando conquistamos algo de forma imprópria. Miguel de Cervantes escreveu: “a formosura da alma campeia e denuncia-se, na inteligência, na honestidade, no reto procedimento, na liberalidade e na boa educação”. Acredito integralmente nisto. Adoto essa retidão de princípios, como modo central da minha vida.

Algumas vezes estive para entrar na política como candidato. Fico muito grato, inclusive, ao povo itaocarense, que praticamente em todas as eleições, nas últimas quatro décadas, lembrou-se do meu nome, para concorrer ao cargo de Prefeito. Vejo como reconhecimento ao trabalho que sempre fiz na medicina. Até o presente momento, venho resistindo aos apelos. Seria uma honra governar Itaocara, município que adotei. Sei do grande potencial que possuímos. Breve vamos ter o início da construção da Hidrelétrica. Há também previsão de exploração de uma grande jazida de calcário. A beleza natural e o curso do rio ressaltam nosso potencial grandioso, para a indústria do turismo. Acho que se for possível confluir todos estes esforços, com o dinâmico e moderno comércio que já possuímos, podemos, em uma década, ter o padrão de vida parecido, com as pequenas cidades que conheci na Europa e nos Estados Unidos.

Sem dúvidas nossa APLAC, com a iniciativa de editar este compêndio, vai deixar para posteridade um importante registro histórico desta época. Quero concluir, agradecendo a todos os Confrades, pela honra em compartilhar do convívio. Espero que os historiadores do futuro, lendo nossos textos, possam entender um pouco do momento histórico que passamos. Das profundas transformações ocorridas, em tão poucas décadas, e a forma como nós, as vivenciamos.



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2 comentários:

  1. Dr Carlos Magno foi uma bênção na minha vida e do meu marido que também se chama Carlos Magno. Quando nasceu o nosso filho caçula, o dr me ajudou muito, um grande profissional.

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  2. Grande ser humano. Exemplo pra todas as gerações.
    Amei conhecer mais sobre sua vida.

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