Quem a vê sentada na frente de sua
casa, na Rua Coronel Pita de Castro, não consegue imaginar a riquíssima
trajetória de vida, da senhora Lucília Maria Rosa de Ornellas, que atualmente
está com 96 anos. Ela é viúva de um dos maiores itaocarenses de todos os
tempos, o empresário e político, Marino Coelho Ornellas. Temos o prazer de
contar um pouco da história dessa grande mãe, cujos filhos Neuzy. Nelma, Nélio,
Neyde e Nilson, os netos e os bisnetos, são fonte de grande orgulho.
A Saudosa Matriarca da Família Ornellas, Dona Lucíola, comemorando o aniversário com os filhos, Nelma, Neide, Nilson, Nélio e Neuzy (estes dois últimos, já falecidos)
Nova
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- Quais suas principais lembranças da infância?
Lucília - Nasci em
Itaocara, cidade do interior. Minha infância foi normal, como qualquer criança.
Brincadeiras de rodas, pique esconde, pique alto, passar anel, reuniões
familiares, teatro infantil, eram freqüentes. Nós íamos à casa das colegas para
brincar de bonecas, fazer roupas, batizados delas e cozinhados. Hoje, não se vê
mais crianças brincando de rodas. As crianças não têm infância. Estudei com a
professora Lívia, da alfabetização à terceira série, em aulas particulares.
Depois fui estudar no Colégio Saldanha da Gama (Frei Tomás, local hoje da Prefeitura
nova), cursando a quarta e quinta séries, com Dona Lucrécia Villas.
Nova
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– A senhora gostava de estudar?
Lucília - Na quinta
série, fui a melhor aluna da classe, tirando 10 com louvor em todas as
disciplinas durante o ano todo. A diretora, Dona Romana, diante deste fato, me
deu uma bolsa de estudos para fazer o curso normal (a quinta série equivalia,
hoje, ao ensino médio completo), no Rio de janeiro. Ela foi pessoalmente à
minha casa para dar a notícia, mas minha mãe não permitiu. Fui, então,
trabalhar com D. Sinhá Costa, costureira de fama. Costurava vestidos e roupas
para as madames do Rio de Janeiro. À noite, costurava para mim e meus irmãos,
bordava, fazia casinha de abelhas nas roupas de crianças, e ponto smock, ponto
paris nas camisolas das noivas, ponto matiz nas toalhas e lençóis, bainha de
laçada e crochê.
Nova
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– A senhora ficou chateada por não ir estudar no Rio e ter que ficar
trabalhando aqui?
Lucília – Claro que
não. Minha geração gosta muito de trabalhar. Dando seguimento a minha vida, fui
trabalhar na Venda de Tecidos e Retalhos do Sr. Braz de Cusatis, na Praça
Coronel Guimarães, onde hoje é a escola de Inglês Wizard. Nas horas vagas, à
tardinha, íamos para casa da Dona Cininha Simões, ajudando a fazer flores de
papel crepom, para coroa de flores, e aprender fazer bonecas de pano.
Nova
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- Como era viver em Itaocara em sua adolescência?
Lucília – Era ótimo. Às
quartas-feiras e aos domingos, nós, jovens, freqüentávamos a Praça Cel.
Guimarães, ouvindo a rádio YC2, no prédio de Dona pepita Machado, onde também
funcionava a biblioteca e o Itacine (atualmente o prédio ao lado do Clube
União). Os bailes e os carnavais de Itaocara eram realizados no Itacine. Diversão
bem inocente. O objetivo era rir e nos sentirmos felizes. Foi uma época fantástica,
sem dúvida alguma.
Nova
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- Como a senhora conheceu o Sr. Marino
Ornellas?
Lucília - Cidade
pequena, todos são conhecidos. Marino morava no Caeté (na zona rural), e vinha à
cavalo para Itaocara. Eu sabia que ele tinha namorada firme, quase noivo. Mas
nós flertávamos. Ele sempre mandava recados, querendo conversar comigo. Num dos
bailes no Itacine, ele chegou perto de mim, começamos a conversar e ele me
tirou para dançar.
Neyde Ornellas com o pai, Marino Ornellas, um dos mais importantes empreendedores da história do município de Itaocara
Nova
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– Essa história daria um filme de amor.
Lucília - Ele terminou
o namoro firme, e pediu permissão a minha mãe para namorarmos. Eu tinha 18 e
ele 19 anos. Namoramos durante três anos. Casamos em 31/07/1940. O meu enxoval
de noiva foi feito todo por mim. Eu era muito habilidosa.
Nova
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- É verdade que havia muita vigilância da família no namoro daquela época?
Lucília - O namoro de
antigamente era muito reservado e controlado pelos pais. Havia muito respeito
pelas famílias, principalmente em cidades do interior, onde todos se conhecem.
Nova
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- A função da mulher, então era ser dona de casa e criar os filhos? Pode nos
falar um pouco sobre esse momento?
Lucília - Quando nos
casamos, fomos morar no Caeté, com meus sogros. Ficamos lá durante sete meses.
Grávida da minha primeira filha, Neuzy, nos mudamos para Itaocara, para a Rua
Coronel Pitta de Castro (onde hoje é casa do Sr. Olisses França). Na época o Marino
trabalhava como açougueiro. Fomos morar então, na Rua Nilo Peçanha. Compramos a
Venda Secos e Molhados do Sr. Armindo - meu sogro. Ali, nossa segunda filha,
Nelma, nasceu. Marino passou a venda para seu irmão, Manoel Ornellas, e fez Sociedade
com o Sr. Resende, numa empresa de Armazém e Máquinas de Arroz, na Ponta da
Areia (no local hoje estão o Bazar Cremonez, A Farmácia Droga Lima, Loja A Garotinha
e Studio Semiana). Mudamos novamente. Dessa vez para a Rua Cel. Pitta de
Castro, 83 (a parte dos fundos do Clube União). Fiquei então grávida do 3º
filho, Nélio.
Nova
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– Nessa época que sua mãe faleceu?
Lucília – Infelizmente
sim. Eu e o Marino assumimos os meus sete irmãos: 2 gêmeas de 4 anos e os
outros, de 6 anos, 9 anos, 11 anos, 13 anos e 15 anos. Também meu pai de
criação. Ao todo, 12 pessoas foram morar em minha casa.
Dona Nelma Ornellas, com suas saudosas mãe, Lucíola e irmã, Neuzy
Nova
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– O Sr. Marino continuava cuidando dos negócios?
Lucília – Ele desfez a
sociedade com o Sr. Resende. Comprou dois caminhões KB6 internacional. Fazia
compra e venda de cereais no Rio de Janeiro e vendia no município de Itaocara.
Ele viajava muito. Às vezes ficava na estrada 15 dias. Até um mês. Ir ao Rio
não era fácil como hoje. Eu ficava tomando conta da casa, que era a função da
mulher de antigamente: criar, educar e orientar os filhos. Além de cozinhar, eu
costurava para toda família. Não se comprava roupas prontas em lojas. Eram
feitas em casa. Lavava, passava, e arrumava tempo para bordar por encomenda,
ajudando nas despesas da casa.
Nova
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– Apesar das dificuldades, foram tempos felizes?
Lucília – Certamente. Meus
filhos e meus irmãos, todos foram batizados e fizeram primeira comunhão na
Igreja Católica. Nasceram nessa casa mais dois filhos, Nelza e Neyde. Mudamos
para a Cel. Pitta de Castro, 228 (onde hoje mora a Neyde). Lá nasceu o Nilson,
o filho caçula. Encaminhamos nossos filhos e meus irmãos, estudando no Colégio
Itaocara (particular).
Nova
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– A senhora era típica mãezona de época para todos?
Lucília - Eu dizia: “se
não passarem de série, vão ter que repetir”. Eu ameaçava: ‘vocês vão ficar de
bengala na mão, mas têm que estudar’. Lembro-me como se fosse hoje. Ajudava
meus filhos nas traduções de Inglês, Francês e Latim, quando tinham
dificuldades. Nunca tiveram aulas particulares. A função era minha. Muitos anos
depois, fomos morar na Fazenda Santa Clara, na zona rural, onde funcionava a
fábrica de cachaça.
Nova
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– Era uma vida muito dura.
Lucília - Muito
trabalho. Mas éramos muito felizes. O Marino se tornou um dos mais importantes
empresários da história de Itaocara. Bom lembrar o que dizem: “por traz de um
grande homem, existe uma grande mulher”. É a pura verdade (risos).
Nelma com a Mãe Luciolá e irmão Nilson Ornellas
Nova
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- O Senhor Marino trabalhou bastante. Participou ativamente da vida política do
município. Mas a senhora sempre preferiu ficar distante, não é mesmo?
Lucília – Tenho orgulho
do meu marido. Marino sempre foi um homem de negócios. Participava, não só na
política, como na vida social de Itaocara. Quando possível eu o acompanhava. Minha
família tomava parte dos eventos, como carnaval e os bailes. Eu dava apoio
total. Na vida política, nunca participei, porque era tímida. Também não tinha
tempo, com uma família tão grande para criar e educar. E nunca gostei de
política.
Nova
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– Atualmente os casamentos que duram 10 anos são recordistas. Mas a senhora foi
casada com um único homem, durante toda a vida. É um grande desafio manter o
casamento por tanto tempo?
Lucília – Penso que não
é. Quando o homem e a mulher se casam por amor, tudo é superado. Sou muito
agradecida pelo marido que escolhi. Ele foi um ótimo filho, um ótimo irmão, um
ótimo cunhado, um ótimo marido e um pai maravilhoso. Sempre muito dedicado à família.
Nós construímos uma família com carinho e com muito trabalho, tanto da minha
parte quanto da parte dele. Casamento não é brincadeira. Deve ser encarado de
forma séria. Assim sempre vai dar certo.
Nova
Voz
On Line - Depois dos filhos, vieram
os netos e os bisnetos. E a senhora continua vivendo feliz, aproveitando os
bons momentos, ao lado da família. Pode nos contar um pouco sobre isto?
Lucília – Sou feliz
porque cumpri minha missão. Tenho uma família digna, com filhos, netos e
bisnetos, com saúde. Todos são pessoas honestas, o que neste país é de grande
orgulho. Graças a Deus! A única coisa que sinto, e vou sentir até o último
suspiro é saudades do meu marido. Gostaria que o Marino estivesse aqui, desfrutando
de tudo ao meu lado.
Nova
Voz On Line
- A senhora acha que as mulheres são mais felizes hoje, quando podem ter a
própria profissão, namorar livremente, enfim, ter uma vida independente?
Lucília - Os tempos
mudaram. A mulher de hoje escolhe a profissão que quer. Os namoros são diferentes.
Há muita liberdade. Mesmo assim não diria que são mais felizes, nem que a minha
geração foi mais feliz. Ser feliz é saber desfrutar o momento de modo pleno.
Por isso é tolo comparar. O que posso dizer, com máxima certeza é que fui e sou
muito feliz.
Nova
Voz On Line
- Qual é a receita para chegar a sua idade, lúcida e com saúde?
Lucília - Eu trabalhei
muito, mas somente em casa, educando e encaminhando meus filhos. Nunca fumei.
Não sinto nada. Não tomo remédios. Não tenho pressão alta. Não sou diabética.
Não tenho problemas de coração. Durmo muito bem. Eu sempre li muito. Desde
cedo, fui muito estudiosa. Se me perguntarem as capitais dos Estados do Brasil,
dos países da América do Sul e de todo Mundo, sou capaz de dizer, na ponta da
língua. Tenho 96 anos com muita saúde. Graças a Deus. Minha mente está ótima.
Nova
Voz On Line
- Do alto de sua experiência de vida, o que diria para as mulheres mais jovens,
neste início de Século XXI?
Lucília - Aconselharia
as jovens a estudarem e escolherem sua profissão. Só depois pensar em
casamento. Hoje não estuda quem não quer. Há muita facilidade e liberdade para
escolher o que quer ser na vida. Então aproveite o seu momento.
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