Inicialmente queremos agradecer ao Dr. André Nassif, que teve a gentileza de atender nosso pedido de entrevista, quando ainda estava voando do Brasil para o Marrocos, onde participou de um evento Internacional. Itaocarense, nascido no Engenho Central, começou sua educação em Batatal e atualmente é um dos principais pensadores brasileiros, presença constante nos debates de economia em centros como Nova Iorque e Londres.
Dr. André Nassif com sua mãe (agora finada), Morena Nassif
Nova Voz ONLINE – Pode nos falar um pouco sobre sua infância e adolescência, em Batatal e Itaocara?
Dr. André Nassif - Nasci no Engenho Central, mas fui criado em Batatal até os 17 anos, quando me mudei para Niterói para cursar a Universidade. No entanto, da infância à adolescência, tenho lembranças marcantes do Engenho Central e Laranjais, onde costumava passar fins de semanas na casa de meus tios e tias, mas também de Itaocara, onde cursei os ensinos fundamental (antigo ginasial) e médio.
Nova Voz ONLINE - Quais suas principais lembranças?
Dr.
André Nassif
- Dentre as mais marcantes de toda essa época, cito o banho de rio (na verdade,
no ribeirão que fica às margens do clube do Engenho Central) – para mim, mágico
até hoje -, o carnaval de Itaocara (de rua e nos clubes União e Nacional;
diferentemente dos itaocarenses, frequentava ambos, sem discriminação) e as
festas de rua. Tenho a impressão de que essas três formas de lazer podem não
ser exatamente como eram na minha época, mas permanecem vivas ainda hoje.
Nova Voz ONLINE - Nós, que já vivemos mais da metade das nossas vidas, podemos tentar fazer a comparação que lhe proponho. Antes o mundo era mais simples, a tecnologia de ponta era a TV Colorida. Hoje, estamos cercados de tecnologias e facilidades. A partir da sua percepção, quando foi melhor viver?
Dr.
André Nassif
- Não gosto muito de fazer esse tipo de comparação, porque, para mim, o mais
importante é viver a vida hoje. Sendo assim, “hoje” em minha época de menino e
adolescente em Batatal, era tão importante como “hoje”, em minha vida adulta.
Não sou do tipo saudosista, de achar que as coisas do passado eram melhores ou
piores que as do presente. Certamente, o acesso às tecnologias da terceira
revolução industrial (microcomputadores, celulares, acesso a músicas e filmes
por streaming etc.) tornou a intercomunicação mais rápida e prática do que no
passado. No caso do computador, por exemplo, é evidente que me permite redigir
trabalhos mais rapidamente e manipular base de dados complexa de maneira mais
eficiente que a máquina de escrever. Mas, o fato é que, como na época da
máquina de escrever eu não fazia qualquer ideia da possibilidade de aparecerem
tecnologias mais complexas, a primeira exercia para mim funções similares às
das últimas.
Nova Voz ONLINE – Pode explicar melhor?
Dr. André Nassif - Agora mesmo, parece que já estamos assistindo à transição para a quarta revolução industrial, em que o comando tecnológico virá da inteligência artificial, robótica e da chamada internet das coisas, que permitirá que os bens de consumo estejam conectados a comandos eletrônicos e digitais. Imagine você trabalhando no seu computador numa mesa de sua casa e, ao mesmo tempo, dando comando para seu aspirador de pó fazer a limpeza da casa, sem que você levante da cadeira; ou que seu automóvel o conduza para o trabalho de Niterói para o Rio, sem qualquer motorista no comando, apenas com você no banco traseiro, lendo os jornais do dia pelo celular, não mais por mídia impressa. Isso tudo está surgindo e nem por isso ficarei saudosista das coisas que tenho hoje.
Com o irmão, José Luiz, a mãe Morena e a cunhada, Nilma |
Nova
Voz ONLINE
- Você sempre gostou de estudar?
Dr.
André Nassif
- Sim, e, no meu caso, posso lhe afirmar que foi algo relativamente espontâneo.
Se houve estímulo, foi menos do ambiente familiar que do próprio ambiente
escolar, sobretudo no primário, em Batatal, onde fui alfabetizado inicialmente
por minha prima (Mariazinha Teixeira) e minha madrinha (Lurdinha Erthal).
Naquela época, havia 1ª série A e primeira série B, sendo a primeira uma
pré-alfabetização. No caso da madrinha Lurdinha, todo mundo sabe que era
excelente professora, sobretudo na arte de alfabetizar pelo método fônico, mas
pouca gente sabe que Mariazinha Teixeira, que ficou pouco tempo no magistério,
era alfabetizadora exemplar. Pois bem, o ambiente escolar nesses dois primeiros
anos era tão salutar e estimulador que serviu de indutor para manter e até mesmo
aumentar o interesse por estudos nas etapas seguintes de minha vida. Não por
acaso, no campo da pesquisa educacional, há estudos que mostram, com evidências
empíricas robustas, que a educação obtida nos primeiros anos de escola é
fundamental para o desempenho escolar nas etapas seguintes.
Nova Voz ONLINE - Você disse que estudou o primário em Batatal, de 1967, até 1970. E que a qualidade de ensino, não deixava a dever a nenhuma outra escola do Brasil. Quais suas lembranças daqueles tempos. Pode citar alguns professores e colegas queridos?
Dr.
André Nassif
- Todos os meus professores do primário foram excelentes. Tão bons que sei seus
nomes de memória: Maria da Penha Teixeira Erthal (Mariazinha Teixeira); Maria
de Lourdes Pegorim Erthal (Lurdinha Erthal); Nilcéia Almeida Torres e Lauri
Pereira Cosendey (a primeira comandou a classe por poucos meses, pois logo
pediu transferência para Laranjais); Rita Lontra Alves e Ângela da Conceição
Campany de Moraes.
Nova Voz ONLINE – Por qual razão afirma que a educação que recebeu destes professores não deixava a desejar a nenhuma das melhores escolas do país?
Dr.
André Nassif
- Há diversas razões por que posso lhe afirmar que a qualidade do primário em
Batatal naquela época (de 1966 a 1970) não ficava atrás de nenhuma escola de
primeira linha hoje no Brasil. Primeiro, porque o ensino era conectado à
realidade dos alunos. Éramos estimulados a redigir, desenhar, refletir e
debater temas relacionados ao ambiente geocultural de Itaocara, como a
agropecuária, as festas de rua, as folias de reis, dentre outros, de modo que
os professores estavam menos interessados que os alunos memorizassem o conteúdo
programático que discuti-lo de maneira mais proveitosa e profunda. Segundo,
porque o ensino não se limitava apenas às atividades em sala de aula, mas
também a atividades extraclasse, como participação e organização de festas
escolares, como as festas juninas ou do padroeiro da cidade; além disso, muitas
vezes o ensino de determinados temas, como, por exemplo, o processo de germinação
vegetal, envolvia atividades lúdicas, como plantar e acompanhar o
desenvolvimento de uma árvore. Terceiro, porque o conteúdo programático
era cumprido na íntegra, já que não me lembro de faltas sistemáticas de
professores em sala de aula. E, por fim, porque havia cobrança de desempenho,
por meio de provas escolares. Para ser aprovado, era preciso esforço
intelectual. “No pain, no gain” (“sem esforço, nenhum ganho”).
Nova Voz ONLINE - Como era o dia a dia de aula?
Dr. André Nassif - Havia dois turnos, o da manhã e o da tarde e, em ambos, um intervalo de 30 minutos para o recreio. No recreio, os alunos se alimentavam com a merenda oferecida pela escola. Lembro muito bem que as meninas brincavam de roda e os garotos jogavam futebol nos fundos da escola. Se houvesse indisciplina por parte de algum aluno, este ficava retido em sala de aula, privado de usufruir a hora do recreio. Era necessário dedicar algum tempo de estudo em casa, porque sempre havia exercícios escolares por fazer entre um dia e outro.
Mariazinha Teixeira foi Professora do Dr. André Nassif |
Nova
Voz ONLINE
- Gostaria de lhe perguntar, o que fizemos, para perder a qualidade do nosso
ensino público? E porque somos são tolos, enquanto sociedade, que não
entendemos que só poderemos criar um país melhor, mais civilizado, com alto IDH
e GINI, quando houver uma educação pública de qualidade?
Dr.
André Nassif
- Há várias razões. Uma delas é que, durante o período em que estava no
primário, o Brasil passava por intenso processo de urbanização, de tal sorte
que a demanda educacional aumentou vigorosamente a partir dali. No entanto, os
salários reais dos professores da educação pública caíram drasticamente a
partir da década de 1980, sobretudo por causa da altíssima inflação. Como,
desde então, os salários dos professores nunca mais recuperaram o valor real
que tinha na minha época, muita gente deixou de ter interesse em se dedicar à
atividade docente nos ensinos fundamental e médio, por vocação.
Nova Voz ONLINE – Quão lamentável!
Dr.
André Nassif
- Além disso, no caso dos centros urbanos, existe muita desestruturação
familiar. Há casos de meninos e meninas sem pais, criados por parentes; casas
em que moram até dez pessoas, e por aí vai. Ora, educação exige disciplina,
esforço, concentração e equilíbrio emocional. É pouco provável que o interesse
por estudos se mantenha vivo quando, após passar parte do dia na escola, as
crianças tenham de enfrentar o restante do tempo num ambiente familiar que não
ofereça qualquer estímulo adicional.
Nova Voz ONLINE – Quais seriam as soluções?
Dr.
André Nassif
- Embora eu não seja um especialista em educação, eu só vejo saída para a
melhora do desempenho educacional no Brasil se houver remuneração mais digna
para os professores, treinamento contínuo do corpo docente e ensino em tempo
integral, em que parte do tempo seja dedicado a estudos individuais na
biblioteca da escola e em atividades extracurriculares (dança, teatro, música,
etc.). Para isso, seria preciso que houvesse mobilização da sociedade civil no
sentido de exigir dos governantes nas esferas federal, estadual e municipal uma
verdadeira revolução educacional que garanta esses direitos. Seria preciso que
tal objetivo se transformasse numa política de Estado, e não de um único
governo.
Nova
Voz ONLINE
- Agora quero que nos conte o porquê de ter decidido tornar-se economista?
Dr.
André Nassif
- Quando terminava o penúltimo ano do ensino médio, eu tinha três interesses
culturais: literatura, história e ciências humanas. Já por volta dos 14 anos,
já tinha lido os principais clássicos da literatura brasileira, como “Dom
Casmurro” (Machado de Assis), “Grande Sertão: Veredas” (Guimarães Rosa) e
adorava ler a poesias de Jorge de Lima (meu poeta brasileiro preferido até
hoje). Quer dizer, já comecei lendo os melhores, pois nunca me interessei por
escritores que escreviam romances açucarados, como José de Alencar e sua (para
mim) intragável “Iracema”. Descartei literatura, porque sabia que não tinha
talento para escritor, mas também não queria viver de crítica literária; no
caso de história, descartei, porque queria escolher alguma área que me
permitisse entender melhor o país e o mundo em que vivemos com base em uma
perspectiva que contemplasse não apenas a história, mas também a sociologia, a
filosofia e a economia. Dentre as ciências humanas, a economia é a única que
oferece a possibilidade de ter, nos currículos, todas essas disciplinas, além
de teoria, matemática e estatística.
Nova Voz ONLINE - E sua época na universidade. Como foi? Como era o desafio de estudar, quando se formou?
Dr.
André Nassif
- Fui aprovado no vestibular (o equivalente ao Enem hoje) para Economia na
Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi um período difícil, porque era mantido,
com dificuldade, por meu irmão em Niterói e, portanto, eu precisava trabalhar.
Em que pese à pressão de meu irmão para conseguir trabalho e conciliá-lo com os
estudos (na época, a Faculdade de Economia da UFF só tinha o curso noturno), eu
consegui resistir porque sabia que só conseguiria ser bom profissional se
estudasse para valer. E assim foi: eu acordava e passava o dia estudando na
biblioteca da Faculdade de Direito (no Ingá) e, no penúltimo ano da faculdade,
na biblioteca do Banco Central do Brasil. Eu não estudava para fazer
provas e ser aprovado, mas para ser economista. Por isso, meu primeiro
trabalho foi de estagiário de Economia no Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), em que fui auxiliar de pesquisa do professor Wilson Suzigan.
Nova Voz ONLINE – Qual era sua rotina de estudos?
Dr.
André Nassif
- Em geral, estudava apenas durante os dias de semana. Nos fins de semana, ia à
praia e ao cinema, saía com amigos ou lia literatura. Mas quando havia provas,
eu também estudava nos fins de semana. Para ficar mais prazeroso, costumávamos
fazer grupos de estudos com outros colegas de classe e estudávamos em suas
casas.
Nova Voz ONLINE - Depois que se graduou quais cursos fez e em quais instituições?
Dr.
André Nassif
- Depois de terminar Economia, fiz o mestrado em Economia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um ano de especialização em Políticas
Públicas nas Nações Unidas-Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL), em Santiago do Chile e, logo após, o doutorado em Economia na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nova Voz ONLINE – Quais os temas escolhidos?
Dr. André Nassif - No mestrado, tive de fazer uma dissertação final sobre “Protecionismo no Brasil: 1930-1989”; e no doutorado, uma tese sobre “Liberalização Comercial e Eficiência Econômica: a Experiência Brasileira”. Fui economista profissional no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde entrei por concurso público e me aposentei no final de 2016. E sou professor da Faculdade de Economia da UFF desde 2009, onde também entrei após ter sido aprovado, em primeiro lugar, em concurso público de provas (escrita, oral e didática) e títulos. Como atualmente no Departamento de Economia da UFF sou também professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (Mestrado e Doutorado), mantenho uma rotina diária de estudos, já que, para me manter na pós-graduação, é preciso um número mínimo de trabalhos publicados em revistas científicas de primeira linha. Mas estudar, para mim, é menos esforço que lazer.
Dr. André com a mãe Morena e as sobrinhas, Isabela e Bianca |
Nova
Voz ONLINE
- A partir da década de 1980, aconteceu a maior mudança durante nosso período
de vida: a Revolução das Comunicações. Especialmente a partir do surgimento da
Microsoft, da Internet em larga escala e nunca mais parou. Isto transformou o
planeta num lugar muito menor. Acha que já assimilamos essa mudança? Ou a
ascensão ao poder, de pessoas que ainda mantém uma visão nacionalista,
xenofóbica e eivada de preconceitos, é a prova de que a técnica sempre será bem
mais rápida do que a capacidade humana de aceitar as mudanças?
Dr.
André Nassif
- Toda revolução tecnológica radical implica profundas transformações
econômicas, políticas, sociais e culturais. Assim foi com a revolução
industrial inglesa, com a segunda revolução industrial, entre o final do século
XIX e o início do XX, com a disseminação da eletricidade, dos automóveis e dos
produtos eletrônicos, com a terceira revolução industrial, quando houve o
aparecimento do computador e da internet e com a quarta, agora em curso, com a
inteligência artificial e robótica.
Nova Voz ONLINE – O que fazer então?
Dr. André Nassif - O desafio para cada país é justamente saber como assegurar o desenvolvimento econômico e social, sabendo-se que é preciso incorporar as tecnologias que vão surgindo. Não existe uma receita mágica, mas as experiências bem-sucedidas de desenvolvimento mostram que nenhum país se desenvolve apenas pelo livre jogo das forças de mercado, nem pelo exclusivismo do Estado (vide o fracasso das economias socialistas no século passado). É preciso uma combinação harmoniosa e moderada entre a coordenação do Estado e o livre jogo das forças de mercado.
Em Londres, Dr. André Nassif fez uma visita ao Kings College |
Nova
Voz ONLINE
- Impressiona o desgaste do novo Governo brasileiro, no poder a pouco mais de
cem dias?
Dr.
André Nassif
- Não, porque, particularmente, acho que o presidente atual tem pouco preparo
intelectual e político para exercer o cargo. De todo modo, respeito o jogo
democrático e acho que, se esta foi a escolha do povo brasileiro, temos de
torcer para que o governo faça o melhor para o Brasil. O bom da democracia é
que, se o desempenho for ruim – neste caso, estou falando de uma país que
sofreu uma recessão brutal entre 2015 e 2016 e tem encontrado enorme
dificuldade para engatar novo processo de crescimento que recupere a criação de
empregos desde 2017-, o povo terá nova oportunidade de acertar ou errar a cada
4 anos.
Nova Voz ONLINE – Como economista, concorda com as previsões sobre crescimento do Brasil neste ano? O Itaú, por exemplo, diminuiu sua projeção de 2% para 1.3%. E no dia 28 de Março, o próprio Banco Central, reduziu a previsão de crescimento de 2.4% para 2%. É isto? O marasmo, o andar de lado, vai continuar?
Dr.
André Nassif
- Não acredito que a economia brasileira cresça mais do que 1% este ano, por
uma razão simples: para haver crescimento, é preciso haver recuperação da
demanda agregada, seja do consumo das famílias, do investimento das empresas,
os gastos do governo e das exportações. No caso do consumo e do investimento,
não é possível esperar grande incremento, por causa do enorme desemprego e
queda da renda (caso do consumo) e da grande capacidade ociosa das empresas,
sobretudo dos setores industrial e de serviços (caso do investimento). No caso
da demanda do governo, tampouco se pode esperar que maior crescimento venha
daí, por conta da política de ajuste fiscal; desde 2017, o que tem garantido
algum crescimento, ainda assim pífio, é o incremento das exportações e não será
muito diferente este ano, a não ser que haja alguma crise na economia mundial,
o que, felizmente, parece estar fora do radar (pelo menos neste ano).
Nova Voz ONLINE - André, muito obrigado. Você nos atendeu ainda quando estava no voo para o Marrocos. Muito obrigado pela gentileza. Agora gostaria que nos deixa-se um recado. De forma geral, mas especialmente para Itaocara, sua terra Natal.
Dr. André Nassif - Não desistam nunca de Itaocara, nem do Brasil. No caso de Itaocara, que conheço bem, vamos continuar escolhendo governantes que se comprometam com as demandas populares mais importantes, como a melhora das condições de saúde, saneamento, acesso a hospitais públicos, educação, transporte e preservação ambiental. E, como “gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, que ofereçam opções culturais diversificadas para o povo itaocarense.
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