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domingo, 21 de abril de 2019

Um Ano Sem o Médico, Dr. Carlos Magno Daher

Dr. Carlos Magno na casa do amigo Ronald Thompson, para presenteá-lo com um livro da Acadêmia Paduana de Letras, Artes e Ciências (APLAC) em que havia um artigo assinado pelo médico

Há um ano Itaocara perdia um dos seus mais importantes ícones históricos: o Médico, Fundador da Casa de Saúde João XXIII, Dr. Carlos Magno Daher. Como forma de homenagear sua memória, levamos aos leitores a entrevista abaixo, do ano de 2009, quando ele completou 40 anos de Medicina.

Nova Voz On Line – Como é completar 40 anos de carreira?
Dr. Carlos Magno – No dia 12 de Dezembro de 1969, colei grau em medicina. Estou próximo a completar 40 anos de vida profissional. Naquela época meus planos eram partir para os Estados Unidos, onde queria fazer minha residência médica.

Nova Voz On Line – O que mudou seus planos?
Dr. Carlos Magno Daher - Em maio de 1970, vim até Pádua conversar com minha família e minha então noiva, Christina. Na oportunidade um amigo, também formado há pouco tempo, o Dr. Nelson Freitas Rodrigues, pediu que fosse até Itaocara conhecer o trabalho que alguns jovens médicos estavam realizando, em torno da liderança do Dr. Álvaro Pinheiro e do Dr. Geomar Alves da Cunha. O Hospital de Itaocara tinha sofrido obras de ampliação, o que me motivou a iniciar alguns atendimentos. Foi esse contato com a população que acabou me prendendo e em 1° de Junho de 1970 iniciei minha vida médica nesse município.

Nova Voz On Line – Já havia a Casa de Saúde João XXIII?
Dr. Carlos Magno – Não. Mas nasceu a ideia de construir um nosocômio mais moderno, capaz de melhor atender a população. Então o sistema era gerido pelo INAMPS / INPS, que diferente do SUS de hoje, possibilitava realmente que se fizesse um atendimento universal de melhor qualidade. Além de remunerar de forma digna os médicos e hospitais, gerava o espírito de empreender na saúde. Só para situar, iniciamos as obras em Janeiro de 1971 e inauguramos em junho de 1975. Os médicos que participaram dessa corajosa iniciativa, vão lembrar quanto trabalho tivemos e como fomos ousados em sonhar trazer até Itaocara uma medicina mais atualizada, e até os dias atuais lutamos nesse sentido.

Nova Voz On Line – Há atualmente uma crítica aos jovens médicos sobre a dependência que possuem da tecnologia para diagnosticar. Que avaliação faz dessa circunstancia?
Dr. Carlos Magno – Tenho viajado muito para o exterior, em função do meu filho, Dr. João Paulo, ter estudado na Europa, e agora estar fazendo o Doutorado nos Estados Unidos, especificamente no John Hopkins Hospital, que é um dos mais importantes centros médicos do planeta. Diria que vivemos a época da medicina dos aparelhos. Com o máximo respeito que tenho pelos jovens profissionais, preciso destacar que sinto falta de uma formação básica em clínica médica. Hoje tudo se resolve com uma batelada de exames caríssimos. Quem sabe esse pensamento não é influenciado pelas multinacionais, que comercializam esse maquinário? Tomografias, ressonâncias, ultrassom, hormônios e etc. Isso fez desaparecer aquela condição do Clínico Geral, que só se aprende na medicina do dia a dia.

Nova Voz On Line – Diferente dos médicos formados em sua época, não é mesmo?
Dr. Carlos Magno – Nós, médicos mais antigos, só no contato do consultório, perguntando sobre o que o paciente está sentindo, verificando o histórico, utilizando aparelhos simples como o medidor de pressão e a ausculta dos pulmões, chegamos a diagnósticos, da mesma forma precisos, em 90 % dos casos. Penso que essa melhor tecnologia deveria ficar apenas para os pacientes que fossem realmente difíceis de diagnosticar, o que ocorre na minoria das vezes.

Nova Voz On Line – Então a ‘mão do médico’ continua sendo importante?
Dr. Carlos Magno – Com certeza! Tenho pacientes que trato da família faz décadas. Acompanhei o avô, o pai, a esposa, os filhos e até os netos. Com os médicos antigos existe esse vinculo. Desde os primeiros dias da faculdade, aprendi que o diagnóstico está na história clínica do paciente. Por isso é fundamental saber o que ele está sentido e se informar sobre sua família. Então nos 10 % dos casos restantes, vamos usar os exames complementares mais caros.

Nova Voz On Line – O diagnóstico é algo que ainda desafia?
Dr. Carlos Magno – A medicina é uma ciência desafiadora. Quem chega com uma dor abdominal, pode ter, desde uma simples prisão de ventre, até um câncer grave. Se não tiver as informações que falei anteriormente, sobre o histórico de quem está tratando, não vai ler de forma precisa o resultado dos exames. É nesse momento que a experiência clínica funciona, possibilitando direcionar o que realmente se quer saber. Diria que 99.99 % das vezes, vamos acertar.

Nova Voz On Line – Qual é o prejuízo dessa dependência da tecnologia?
Dr. Carlos Magno – Principalmente na saúde pública. Por mais que a Secretaria tenha recursos, torna-se um saco sem fundos. Os exames de ponta são caríssimos, em função dos preços dos equipamentos que passam de milhões de Reais. E é importante ressaltar, que quem faz esses investimentos, nas suas unidades particulares de atendimento, tem toda razão em cobrar os preços dos exames, pois se não for assim, perderá a capacidade de investir e como consequência o Brasil ficaria atrasado no tempo e no espaço, um em relação aos países mais ricos.

Nova Voz On Line – O que fazer então?
Dr. Carlos Magno - As universidades precisam ser mais responsáveis e formar médicos voltados à realidade financeira do país, fazendo com que os novos doutores aprendam a diagnosticar, não só no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas também no Maranhão, no Piauí ou em regiões pobres, como é o caso do Noroeste Fluminense.

- Saúde Pública -

Nova Voz On Line – Já que o senhor falou em políticas públicas de saúde, com sua experiência nestes 40 anos de medicina, diria que se houvessem investimentos em áreas como saneamento básico e mesmo alimentação escolar, poderia diminuir o número de doentes nos hospitais?
Dr. Carlos Magno – Quando Leonel Brizola foi eleito Governador do Rio de Janeiro, pela primeira vez, ele implantou um programa que incluía aulas em tempo integral, cujo aluno tomava café da manhã, almoçava, fazia o lanche da tarde e antes de sair ainda jantava na escola. Em conjunto com isso, houve vacinação de diversas doenças. O resultado foi que as enfermarias da pediatria, no Hospital de Itaocara, esvaziaram quase que totalmente.

Nova Voz On Line – Deu para sentir o efeito no Hospital?
Dr. Carlos Magno - Diminuímos de 20 crianças internadas por dia, para a mesma quantidade, mas só que por mês. Foi resultado da melhoria da condição de vida, que conjugou a alimentação, com a medicina preventiva e profilática. Sem dúvidas o Estado, tem que investir em políticas preventivas, que vão economizar milhões, até bilhões de Reais, na medicina curativa. O que não adianta é jogar essa responsabilidade apenas para os Prefeitos, principalmente de pequenas cidades, como as nossas. Os governos Federal e Estadual precisam ser responsáveis e colocar recursos em quantidade.

Nova Voz On Line – E o saneamento básico?
Dr. Carlos Magno – Quando me perguntam sobre isso fora do Brasil, fico com vergonha. Estamos entre as dez maiores economias do mundo e só entre as 100 nações em questão de Índice de Desenvolvimento Humano. É ótimo ter orgulho por realizarmos as olimpíadas, mas é imoral ter crianças desnutridas e com várias doenças típicas de países miseráveis, neste gigante chamado Brasil.

Nova Voz On Line – Que papel tem os vícios como o cigarro e as bebidas em doenças da sociedade contemporânea?
Dr. Carlos Magno – O cigarro é o vilão fundamental. Fumar é consumir veneno puro. Já há políticas importantes, como a proibição de fumar em lugares fechados, com leis criadas pelas Câmaras de Vereadores de localidades responsáveis. Desde as doenças cardiovasculares, o envelhecimento precoce, enfisema, cânceres dos mais variados tipos, impotência sexual, atinge aos fumantes. Quem fuma, com certeza absoluta vai ter sua qualidade de vida gravemente comprometida, inclusive diminuindo os anos de vida. Já a bebida alcoólica tem também seu grau de vilania, criando a destruição de famílias e provocando acidentes de transito. Mesmo assim, o alcoolismo acomete apenas uma fração dos que bebem. Agora o cigarro em 100 % dos casos, têm efeitos nefastos.

Nova Voz On Line – O senhor acha que deveria se obrigar as empresas fabricantes de cigarro a arcar com custos dos tratamentos das doenças causadas pelo fumo, como já acontece nos Estados Unidos?
Dr. Carlos Magno – Não há dúvidas. É preciso não só tributar radicalmente o setor, mas também que o Ministério Público mova uma Ação Civil, voltada aos fabricantes deste veneno, a indenizar e investir em recuperação dos que têm doenças ligadas ao fator cigarro.

- Vida Política -

Nova Voz On Line – Por ser uma pessoa muito querida dentro de Itaocara, o senhor sempre teve participação na área política, mas nunca foi candidato a Prefeito, como muitos gostariam que tivesse sido. Por quê?
Dr. Carlos Magno – Eu nasci com sangue de médico nas veias. Fui talhado para guerra. O campo de batalha é meu habitat natural. Apesar de o médico ter facilidade para política, penso que, ou somos médicos, ou somos políticos. Fazer ambos bem feito é difícil.

Nova Voz On Line – Mas o senhor sempre foi atuante em Itaocara.
Dr. Carlos Magno - Participei colaborando com aqueles candidatos que achei melhor para Itaocara, ao longo da história. Temos um imenso potencial, que só agora está sendo descoberto, nos futuros investimentos na área de exploração do calcário e das duas Usinas Hidrelétricas. Somos ainda um lugar bonito, e quem nos visita se apaixona. O povo é naturalmente acolhedor e ordeiro. Não tenho dúvidas em dizer, que se houvesse capacidade de investir na área urbana, Itaocara seria tão destacada quanto algumas pequenas cidades que conheci na Europa e nos Estados Unidos.

Nova Voz On Line – Nesse tempo quais foram os políticos que mais chamaram sua atenção?
Dr. Carlos Magno – Dr. Carlos Faria Souto é um gênio. Apesar da idade, em termos de modernidade, está anos luz na frente de todos os políticos que conheci, não só em Itaocara, mas mesmo na Região, no Estado e no Brasil. Apesar de não ser arquiteto é o nosso Oscar Niemeyer. Sua visão sobre cultura, sobre turismo é brilhante. Num país civilizado o povo o aplaudiria, toda vez que andasse pelas ruas. No Joaquim Monteiro, o que eu admirava era sua coragem de definir as coisas com sim ou não, qualidade rara em qualquer político. O José Romar investiu de forma decisiva em saneamento básico. Junto com Dr. Robério, foram os que criaram políticas públicas mais voltadas às classes pobres. Agora tivemos o Prefeito Manoel Faria e o Alcione Araújo, que tem como característica, administrar de forma austera, procurando investir dentro das possibilidades financeiras da municipalidade. Não posso esquecer também o Governo Paulo Mozart, que em apenas dois anos de mandato, deixou sua marca.
- Casamento e Família -

Nova Voz On Line – Como surgiu a Dona Christina em sua vida?
Dr. Carlos Magno – Ela era minha vizinha. Eu tinha 21 anos e ela 15, quando me apaixonei. Linda moça, que os anos fez ficar ainda mais bela. Minha companheira, amiga, mãe dos meus filhos, melhor conselheira e melhor apoio naqueles momentos difíceis que todas as famílias enfrentam. Não há dúvidas que a melhor decisão da minha vida, foi casar com a Christina, no dia 12 de Dezembro de 1970.

Nova Voz On Line – E os filhos?
Dr. Carlos Magno – Meus filhos me orgulham muito. A Gabriela é destaque no meio acadêmico, na área do Direito Internacional. Tem uma cabeça privilegiada. Puxou meu lado pensador, que gosta da filosofia, do debate das ideias. Já o João Paulo é minha paixão pelo o que há de mais moderno na medicina. Está reunindo conhecimentos que vão lhe possibilitar ser proeminente na área de ponta da medicina. O João Gabriel tem as mesmas qualidades intelectuais, somadas ao gosto e o jeito pela política. Várias vezes disse que tem vontade de vir para Itaocara. Não me surpreenderia vê-lo candidato a cargos públicos no futuro. Meus filhos são o legado maior que eu e minha mulher deixamos para o mundo.

- Rotina Diária -

Nova Voz On Line – Mesmo após 40 anos de medicina, sua rotina continua puxada. O que lhe motiva tanto?
Dr. Carlos Magno – Começo a trabalhar 7 horas da manhã e vou, no mínimo, até às 19 horas, fora os plantões de vinte quatro horas. Ainda sou Diretor Geral do Hospital de Itaocara e Diretor da Casa de Saúde João XXIII. De segunda a sexta trabalho em torno de 12 horas diárias, e nos finais de semana, faço visitas médicas na Casa de Saúde e no Hospital de Itaocara. Aos Domingos, dou uma pequena assistência no Hospital de Pirapetinga (MG). Ainda fico vinte quatro horas de sobre aviso para qualquer emergência que ocorra no Hospital de Aperibé.

Nova Voz On Line – Como o senhor consegue ter motivação para tudo isso?
Dr. Carlos Magno – Eu Amo a Medicina. A Medicina está na minha veia. Existem dois tipos de Medicina. A de Escrivaninha e a do Campo de Batalha. Eu sou desta última. Deus me deu um talento, que nas horas críticas, aparece e está a serviço das pessoas. Por isso oro agradecendo todos os dias a Deus por me por no lugar certo, para atender as pessoas que precisam do meu talento.

Nova Voz On Line – Que mensagem deixaria aos Itaocarenses?
Dr. Carlos Magno – Primeiro muito obrigado por todo carinho, que durante 40 anos, demonstram comigo e minha família. A confiança no médico é um ingrediente que jamais pode faltar para que o tratamento dê certo. Felizmente conquistei a confiança dos meus pacientes nestes 40 anos. Sempre busco fazer mais do que necessito. Não posso deixar de parabenizar ao Dr. Álvaro Luís Correia da Rocha, proprietário do Engenho Central, por tudo que fez por Itaocara e agora vai fazer de novo, quando a Fábrica de papel estiver em funcionamento. Da mesma forma ao meu amigo Idemar Figueiredo, apaixonado por essa terra e querido pelos itaocarenses. Muito obrigado e que Deus proteja a família de todos dessa cidade que tanto amo, Itaocara.
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