A Psicóloga Drª Isabel Anastácio CRP 05/56686
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Se relacionar com as novas dificuldades da
adolescência no mundo moderno tornou-se algo comum e ao mesmo tempo assustador.
Quem não tem um adolescente em casa, conhece ou convive com alguém que tem. A
maioria deles não sabem lidar com o tempo, não sabem ouvir NÃO, não
cuidam de suas coisas, não ajudam os pais nos afazeres de casa e quando se
aborrecem, parece que o mundo vai desabar.
Sim, é uma fase marcada por mudanças
fisiológicas significativas. Pelo luto da perda da infância, a busca de si
mesmo e de aceitação. Ser adolescente é encontrar-se numa fase em que não se é
adulto e nem criança. Não têm autonomia para se mandar, mas também não podem
mais ser tão dependentes dos pais. Quem eles são? Além das hormonais, do luto e
da busca de identidade, hoje lidamos com a catástrofe de uma infância mal
vivida.
A primeira infância é um verdadeiro estágio
preparatório para a vida. Os primeiros seis anos são essenciais para o tipo de
adulto que a pessoa se tornará. Época em que se desenvolvem limites e afeto. Trata-se
de uma fase determinante para a capacidade cognitiva e sociabilidade do
indivíduo, pois o cérebro funciona como esponja, absorvendo as informações de
maneira rápida e duradoura.
Isso significa que todas as experiências
vividas terão seus efeitos. Que a criança deve viver como criança. Isto
significa:
A
-
Brincar, correr, pisar na areia, acreditar em contos de fadas, cair, levantar,
chorar porque se machucou;
B
-
Lidar com a frustração de às vezes não poder ter o brinquedo que queria, porque
os pais não tinham dinheiro, ou simplesmente porque julgaram não ser um
brinquedo indicado para sua idade;
C
-
Se aborrecer com o coleguinha da escola, por conta de um brinquedo ou
brincadeira;
D
-
Ouvir da professora que aquela não é a hora para determinada coisa;
E
-
Rir de coisas simples;
F
-
Brincar na rua, no vizinho, pular de alegria porque venceu a brincadeira e
sentir certo incômodo, porque perdeu;
G
-
Ouvir histórias. Sentir medo dos vilões;
H
-
Admirar os heróis. Levar um sustinho do colega que diz “buuuuuu”;
I
-
Lidar com a experiência de insegurança do primeiro dia na escola e experimentar
o gostinho da capacidade de comer sozinho pela primeira vez, mesmo que suje a
roupa e a boca;
J
-
Guardar seus brinquedos;
L
-
Cuidar do animalzinho de estimação;
M
- Socorrer
um coleguinha que caiu;
N
-
Ouvir de seus pais que ele é importante e dizer a eles: EU TE AMO!
Acredite! Vale a pena ralar o joelho, chorar um
pouco e até lidar com o tédio de não ter nada para fazer, porque viver traz
muitas alegrias, mas também dói e significa correr riscos o tempo todo.
Qual o problema enfrentado nos
dias atuais?
Os adolescentes de hoje não tiveram metade
dessas experiências na infância. Os pais da atualidade não têm tempo para
estarem com os filhos, pois precisam trabalhar, estudar, dar uma vida melhor
para eles. A intenção até que é boa... Mas que efeito isso está tendo sobre
essas crianças?
Pais cansados, estressados e que sabem que
estão em falta, acabam sendo permissivos, exageradamente protetores,
presenteiam demais, investem em cursos, esportes, aulas especializadas e quando
essa criança já cumpriu sua agenda do dia, ela relaxa jogando ou assistindo a
vídeos em celulares, tabletes e outras telas, ou seja: o seu cérebro não tem um
tempo de tédio, não descansa, não tem oportunidade de imaginar, criar.
O pouco tempo que esse
pais têm em casa querem agradar muito, fazer por seus filhos algo que estes já
podem fazer ou simplesmente deixam seus filhos nos eletrônicos para terem
alguns minutos de descanso.
Perguntas:
* Quanto tempo eles tiveram para conversar
sobre o dia?
* Para assistirem TV juntos?
* Para sentarem no sofá e trocarem carinho?
* Para falarem de sonhos, de amor e até de
decepções?
Esse indivíduo chega à adolescência totalmente
despreparado, porque não sofreu as pequenas dores. Não aprendeu a lidar com o
tempo, nem a se esforçar para ganhar algo ou cuidar do que já tem. Não entendeu
que os outros também sofrem e têm limitações; e nem que amar e rir ainda é o
melhor remédio. Tem a necessidade de ser melhor em tudo, pois sempre teve tudo
de “melhor”, ou simplesmente não se importa nem se esforça para nada, porque os
pais sempre deram tudo.
Então começam as frustrações relacionadas a um
mundo exigente e cheio de desafios. O padrão de beleza, as melhores notas da
escola, os primeiros relacionamentos amorosos e, consequentemente, as primeiras
decepções. As apresentações de trabalho escolar, o celular caríssimo que talvez
os pais não possam comprar mais. As “zoações” dos colegas de Colégio, os
limites da Professora e da Diretora.
Tudo isso começa a fazer parte da vida do
adolescente e ele começa a sentir o que nunca sentiu durante todo seu tempo de
vida e, logicamente, não sabe lidar com isso. E começa a ter um desconforto e
uma angústia horrível. Essa pessoa não sabe suportar a dor, não sabe falar de
seus sentimentos, e, principalmente, não sabe enfrentar as situações, porque
não aprendeu durante a infância.
Os pais não conseguem mais fazer por elas, nem
atender todas as suas vontades. Começam a deixar que se vire e, às vezes, até
exigir isso, porque na verdade é tempo disso acontecer. Então este indivíduo se
sente abandonado. Pouco amado. Pela primeira vez começa a lidar com a realidade
que implica a vida. De repente aquele mundinho em que vivia não existe mais. E
o mundo inteiro parece ser ruim. Assim começa a se isolar. A chorar sozinho,
ficar desanimado. Passar horas no celular e na Netflix, fugindo do mundo real.
Cada dia mais se aproxima a idade adulta,
momento em que os adolescentes sabem que serão responsáveis por si. Precisarão
arrumar um emprego. Entrar na faculdade. Ter dinheiro para sair com os amigos,
com a namorada, ter um carro ou uma moto “legal” para se locomover. Surgirá
então a preocupação com o fato de que os colegas irão conseguir e eles não.
Como o mundo irá olhá-lo?
Entram em uma ansiedade demasiada, numa
tristeza profunda e como não sabem lidar com a dor, não se sentem mais amados.
O mundo todo parece ser o inimigo. Alguns começam a se cortar superficialmente
(o que se chama de automutilação) pois enquanto sentem a dor da carne, esquecem
a dor da alma. O pior é que muitas vezes os pais nem ficam sabendo. Ou sabem e
ficam irritados porque o filho está fazendo isso para chamar atenção. Brigam,
põem de castigo, pois não conseguem entender o motivo pelo qual o filho veio a
fazer isso, já que sempre fez tudo por ele. Aí está o problema: TUDO. Eles o
privaram de uma infância saudável, apesar de terem as melhores das intenções.
Exemplo de automutilação |
Porque, afinal, quem gosta de ver uma criança
chorando? Triste? Machucada? Vendo que o outro tem algo e ela não? Isso também
dói nos pais e faz com que estes façam todas as vontades da criança. Mas
acredite: é uma dor passageira e que vale a pena sentir, porque quem faz tudo
pelos filhos, tira a capacidade deles aprenderem a fazer. E ao comprar tudo,
além de não os ensinar a valorizar nada, um dia irão querer algo que os pais
não terão condições de comprar e quando isso acontecer, não se sentirão mais
amados, porque os ensinaram que ser amado é ganhar tudo que quer.
Muitos
adolescentes ficam tão adoecidos por não saberem lidar com frustrações, que
começam a planejar acabar com esse sofrimento de alguma forma. Há aqueles que
planejam se vingar do mundo. Fazer as pessoas “pagarem” pela dor que estão
sentindo. Outros planejam acabar com a própria vida, pois assim terminará seu
sofrimento. Neste momento, esse indivíduo precisa ser acolhido pela família e
fazer um acompanhamento psicológico com urgência.
Apenas ressaltando que a automutilação e o
suicídio são dois assuntos diferentes. A pessoa que se automutila não tem a
intenção de se matar, mas de camuflar a dor interior. Porém isso pode acontecer
pelo fato de não ter como medir a profundidade do corte na hora do ato. “O
suicídio é o ato intencional de matar a si mesmo”. É importante entender que a
pessoa que planeja se matar, na verdade, não quer morrer, quer matar a dor que
sente.
Devido a essa ausência de preparo na infância,
ou seja, a terem lhe tirado o direito de ser criança no tempo certo e viver
esta etapa da vida de forma tão natural e singela, é que tem aumentado cada dia
mais o número de suicídios na adolescência e no início da vida adulta. Porque
estas pessoas nunca foram frustradas e contrariadas antes, quando tudo era
menor e mais simples de se resolver, não desenvolveram a resiliência necessária
a vida adulta.
Os pais precisam dizer aos filhos que os amam e
que eles são o que há de mais importante. Mas também é necessário lhes dizer
“NÃO”. Eles irão ouvir muitos “nãos” na vida e precisarão saber lidar com isso.
Ensine-os a levantar todas as vezes que caírem. A chorar por que doeu e não
precisar engolir o choro. Mas que depois que parar, voltará a brincar de novo e
será legal.
Não permitam que pequenos tombos virem traumas
e os tornem inseguros e medrosos. Motive-os. Falem com eles de sentimentos,
inclusive dos seus, eles precisam entender que os pais não são super-heróis,
que também sofrem e precisam de ajuda. Amar, chorar, não é vergonha e sim algo
essencial que faz parte da natureza humana.
Observe o comportamento de seu filho! Desconfie
se estiver muito calado, se passa muito tempo quieto, desanimado ou fechado no
quarto. Preocupe-se se este não tiver amigos, ou andar o tempo todo com blusas
de manga comprida. Alguns adolescentes manifestam seus sofrimentos chorando,
demonstrando irritabilidade em tudo, sendo agressivos, outros simplesmente se
isolam.
Fique de olho, porque muitos não foram
preparados para o mundo no qual estão vivendo e podem estar em sofrimento e
colocando a própria vida em risco.
Seja presente na vida de seu filho!
Estabeleça um diálogo saudável com ele!
Conheça seus sonhos, seus amigos, seus medos.
Se perceber algum comportamento estranho, não
hesite em procurar ajuda de um psicólogo.
Lembre-se de que a vida é uma dádiva e só é
vivida uma vez. Então estejam abertos a pedir ajuda enquanto é tempo.
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