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terça-feira, 6 de abril de 2021

Mario Luís Velasco enviou texto do Saudoso José Renato Brandão Bravo, "Tributo a Antônio Brandão"

A Maria Fumaça da Leopoldina, rangia nos trilhos, cortando ruidosamente vales e montanhas das pequenas cidades do noroeste fluminense. Ora bem na beirinha, ora cruzando o Paraíba do Sul. Um acontecimento pra todos nós!

A Estação de Cambuci já foi o coração pulsante do município, com tanta gente indo e vindo, durante boa parte da história

Para uns o trem levava alegria. Para outros, deixava saudade. Conduzia o pobre, o grã-fino, o velho e a molecada, a filha do fazendeiro com a sua emproada criada, os doutores enfiados em elegantes guarda-pós e sábios sertanejos de olhares complacentes.

Nosso trem, sonora festa popular, enfeitado pelos cartazes do "Rum Creosotado" e do Óleo de Fígado de Bacalhau – aquela figura do homem maduro com um peixe nas costas.

Pura emoção provinciana, democrática lição em memória viva, retrato em sepia de nossa feliz e enfumaçada infância, ao redor da bucólica estação ferroviária de Cambuci.

Piuiiii... piuiiii... chaque- chaque- chaque- chaque ... e lá vinha ele feroz, nem tanto veloz, mas rompedor, ritmando com graça a cotidiana sinfonia do campo.

Cuspia fogo, vapor e faísca, mastigava toras de lenha, bebia dilúvios da bica do Manoel Gomes e sempre envolto em nuvens de esperança, media os trilhos de nossa existência.

De tudo tinha um pouco na estação... de fora pra dentro, de dentro pra fora:   vendedores de pirilito à casaca, jornais e gibis, cocada e pastel, garapa, refresco, voador, brevidade e o Famoso picolé de groselha do Orestes, delícia que na primeira chupada ficava branquinho que nem neve.

Cambucienses na praça, aguardando o trem chegar

Galinha d'angola na peia, galo japonês brigador, capado e cabrito condenados pelo casamento de alguém ou pelo batizado do neném.

Pode até parecer, mas a brejeirice da roça não desaparece com o tempo, só se desvia do trajeto. Sobrevive altaneira na alma campesina, mora na  sabedoria dos grotões, se  traduz no mugido desgarrado de um novilho, no pio chorado do inhambu, na ligeireza da siriema. Mostra-se no latido do cão de terreiro, no alegre estalar de um canarinho da  terra, no borralho do velho fogão à lenha, nos oito baixos da sanfona, no pau perene da braúna em flor.

Até meados dos' a nos 60, comum se fazia o pregão matinal do leiteiro, do verdureiro, do padeiro, sob as nossas janelas. Nem bem a noite terminara, os sons invadiam as manhãs luminosas de Cambuci.

A brisa matinal conduzia o cheiro macio do pão saindo do forno, da espuma do leite fresquinho, que brincava de bigodão branco…parecia, enfim, que a vaca dormira no quintal de casa em meio ao canteiro de hortelã-pimenta.

"Seu" Romualdo Matola, comandava, do coreto, os concorridos leilões na Praça da Bandeira. Oswaldo Pinheiro alardeava aos quatro cantos, os acontecimentos políticos, antes mesmo da chegada do "Jornal Expresso", trazendo notícias recentes do Rio de Janeiro e de Niterói, a antiga capital estadual.

Na adorável Cambuci era mesmo  assim:  pãozinho  de  Tatasso, leite do curral do "Seu" Teixeirinha, verdura do "Seu" Hortencinho Brandão, adorado pai e avô. Impossível esquecer o sabor da linguicinha dependurada em cima do fogão da vó Carolina, da sola de velho no café da manhã, da papa de milho arrumadinha no embornal da merenda... quanta saudade!

Imagem de 1982

Antônio Grilinho

Neste contexto porém, havia um herói travesso: Antonio Grilinho. Menino·tinhoso, moleque safado, extremamente inteligente. Sempre aprontando as suas.

Do físico franzino na infância ganhou o apelido de "Grilinho", e a gente brincava que de tão magrinho, o pijama dele tinha uma lista só!

Por ele e por nossa Cambuci, que eu me entrego aqui, prazerosamente às recordações, tentando resgatar passagens da colcha de retalhos de nossa infância e juventude.

Como sobrinho e, na prática, seu irmão, pois apenas dois anos separavam os nossos  aniversários ..  E assim, obtivemos a benção de partilhar a infancia cristã, pobre, digna, muito alegre e feliz, como crianças do interior.

Pescaria de Pombo?

Sim. 0 velho Hortecinho Brandão nos aplicara uma retumbante coça da "velhaca", sua cinta implacável, numa surra memorável, com os dois meninos pelados sob o chuveiro frio.

Dói que só! Motivo: estávamos dizimando os pombos (e as vidraças) da Maçonaria, em frente de casa. Baleba de barro, lingüento assada no forno e seta bem arrumada eram infalíveis!

Antonio Grilinho, com sua mira invejável, não errava uma sequer...  pim!! Na cabeça!  E pimba! Mais um pombo no chão!  E pior que a maldade, a mentira! Depois de depenados, a gente entregava os pombos pra vó Carolina fritar, nos aproveitando da sua vista, cansada pelo glaucoma, e sob alegacão de que eram “rolinhas".

Mas veio o castigo: "dois  meses sem ir à praça! Já pensou?

Acontece que Grilinho nao se conformava também com a idéia de renunciar ao sabor da "iguaria" ... e daí ele imaginou uma solucão: "pescar pombo!"

Perguntamos:

- Como???

E ele respondeu:

- É simples. Pombo adora milho. A gente espeta o grão do milho verde no anzol e lança no telhado da Maçonaria!

Dito e feito!  As "rolinhas" do Grilinho regressaram à frigideira da vó Carolina, gordinhas que só elas!!!

0 Jipe de Norelino

A serra de Monte Verde era o cenário. De lá regressavam, sob uma chuva intensa quatro participantes de um almoço servido na casa de "Seu" Camposo: Noel, Edvaldo Pinheiro, Norelino e, é claro, o nosso herói Antônio Grilinho.

A folga na direcão do jipe dava volta e meia pro acerto das rodas e o freio só funcionava do lado direito traseiro; debochando dos precipícios ameaçadores, Norelino parecia simplesmente ignorar as condicões e voava mais e mais.

Enquanto isso, Noel e Edvaldo reclamavam apavorados, com a velocidade do jipe. Antonio Grilinho, ao lado do motorista, fingia cochilar sem se importar. Foi então que Edvaldo gritou: “Grilinho! Grilinho!” Dá um jeito em Norelino, rapaz! A gente vai morrer numa pirambeira dessas e você ai cochilando pombas!"

E Antônio Grilinlho respondia em voz baixa:

- Já falei com Norelino... Já falei com  Norelino ... Já falei com Norelino.

Só então os dois caronas do banco traseiro perceberam o pé esquerdo de Antonio Grilinho, pressionando o pé direito de Norelino, no acelerador!

Cafezinho de Penha Brandão

Carnaval de 1964. Já rapaz, Antonio Grilinho decidiu tomar todas... as que devia as que não podia.

Bebemorou como se aquela fosse a sua última festa de Momo. Perturbou Deus e o mundo, arrumou confusão adoidado, desafiou um ônibus inteiro de São Fidélis chamando a todos pra porrada, berrando que em terras fidelenses só nascia viado...  e por aí adiante! Arrasou! Não fosse a intervenção parruda de Cabana e Pedrinho Cambota a coisa teria ficado feia pro lado dele.

Arrastado pra casa pelos fiéis companheiros, na madrugada de quarta-feira de cinzas; inda chegou esbravejando, mas logo baixou o tom ao cruzar com o olhar severo do irmão mais velho, José  Brandão.

No ambiente da sala de Zé e Penha Brandão, se acotovelavam, Lola, Marialva, Edilce, Tereré, Oscar Batista Lima ... aquela turminha jovem recém chegada do baile, que ainda comentavam os namoricos e asnovidades carnavalescas.

E foi aí que Antônio Grilinho, obedecendo cegamente às ordens do irmão, pegou um copo qualquer e se serviu do café forte que Penha Brandão tinha acabado de coar, sem perceber que no copo ainda restava uma boa dose de boldo, que alguém havia tomado.

No primeiro gole fez uma baita careta e decretou:

- Penha minha cunhada querida, você é uma cozinheira maravilhosa, mas esse seu cafezinho esta uma M...!

* Antônio, pela certeza do reencontro na eternidade, diante do Criador, deixo aqui a expressão de minha saudade fraterna.

De seu sobrinho / irmão,

Zé Renato


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2 comentários:

  1. tive que ler procurando encontrar minhas raízes nesse texto. As memórias são binóculos da história.
    Tenho avô de nome Hortêncio nessa região no século XIX que teve neto homonimo de sobrenome Brandão, coincidencia ou não me senti pertencendo a essa história.

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  2. Ahhhj,.. saudades do Zé Renato, Antônio Brandão, Penha, Querida tia Carolina, Maria Brandão, mãezona do Zé Renato, toda a família Cruz Brandão e a família Cruz da minha vó e meu vô, irmão da tia Carolina. O Zé Renato foi um homem tão especial.... Estou ouvindo sua gargalhada..... lindo!

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