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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O Itaocarense Cássio S Fernandes, Doutor em História da Arte, e um dos mais importantes pensadores do Brasil atual

Nesse bate papo histórico, Cássio da Silva Fernandes, filho do Gigante Itaocarense, José Maria Fernandes, da professora e ex-secretária municipal de Educação, Josane (irmã do Dr. Robério), irmão da Bethânia, sócia proprietária da Core Contabilidade, fala de sua trajetória, de garoto tímido, das ruas de Itaocara, até o Doutorado na Universidade de Pisa (Itália) e a titularidade da cátedra em História da Arte da Universidade Federal do Estado de São Paulo.

Para posteridade, Angela, Zé Maria e Cássio, em Roma

Nova Voz ONLINE – Quais as principais lembranças, da infância e adolescência, nas ruas de Itaocara?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Acho que as duas coisas principais da minha infância em Itaocara são bicicleta e futebol. São as duas experiências principais, que me tiraram de casa a partir dos sete ou oito anos de idade, e me conduziram de um menino tímido, agarrado à mãe, a um garoto mais confiante, cheio de alegria e de amigos.

Nova Voz ONLINE – Foi uma descoberta de Itaocara então?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Isso! Sem falar na experiência propriamente dita, porque a bicicleta mudou toda a minha paisagem. Nunca viajei de balão. Imagino que o balão deva ser ainda mais maravilhoso. Mas a bicicleta já era muito para mim naquela época. Da bicicleta, a paisagem da cidade ganhava movimento, as ruas, a beira do rio, os passeios nos arredores, o campo. E tinha aquele vento, a sensação de liberdade. Gostei tanto de bicicleta, que nunca senti necessidade de possuir motocicleta. A bicicleta, para mim, era mais, porque ainda dependia da força, do exercício, funcionava como continuação do meu corpo. Foi a primeira grande experiência.

Nova Voz ONLINE – E o futebol?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - O futebol era a grande paixão. Acho que entre os sete e os dezoito anos eu quase só pensava em futebol. E fiz quase todos os amigos daquela fase no campo de futebol. Ainda hoje, quando vou a Itaocara, me alegra muito encontrar um amigo daquela época, e lembrar com ele dos acontecimentos de alguma partida de futebol que jogamos juntos, sempre pelo Nacional E.C.

Nova Voz ONLINE – Foi a tão falada socialização que teve como experiência prática?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - O futebol me aproximou muito das pessoas e me possibilitou a experiência concreta do mundo, que eu acho fundamental para a formação de um jovem, e que se opõe à vida pela internet que se tem hoje. Porque o futebol tem o impacto, o peso, a velocidade, às vezes a dor física.

Nova Voz ONLINE – Transcende então a própria socialização?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Então, se você sente a dor, aprende o que é a dor; a dor do outro te toca quase como se fosse em você mesmo. Isso é muito importante porque ajuda a construir o sentimento de humanidade. O futebol possibilita a experiência de verdade, não há nada de virtual; é tudo realidade física. E tem uma coisa ainda: se você não joga bem, não tem lugar. Então, você conhece suas limitações, e descobre que é preciso se esforçar, aprender, melhorar, e conviver.

Nova Voz ONLINE - Você foi aluno do Colégio Estadual Frei Thomas. Pode nos falar desse período?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Estudei na escola na época em que o Brasil vivia a ditadura militar. Tive a infelicidade de ser um garoto nessa época, e nem sabia disso naquele momento. Passei por todo o processo de imbecilização que a ditadura propiciava a um menino na escola.

Nova Voz ONLINE – Como assim?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Tive que estudar as matérias que os militares inventaram: Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (OSPB), essas duas disciplinas que nos ensinavam a não conhecer nada dos problemas sociais brasileiros. Ao invés disso, o que se tinha era a tarefa absurda de contar as estrelinhas na bandeira do Brasil e conhecer os nomes dos generais que nos governavam. Teria sido melhor não saber nada disso. Mas o que podia um menino contra isso? Mesmo os professores tinham dificuldade de entender o que isso representava. O que não tira o mérito do carinho, da dedicação e do esforço dos professores que tive nesses anos, a quem tenho gratidão.

Nova Voz ONLINE – Pode citar alguns nomes para ficar o registro na história?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Lembro muito da “tia” Silmi, minha primeira professora; da dona Helena, mãe do meu amigo Vitor. Elas eram muito dedicadas e me ajudaram a enfrentar o que era mais difícil para mim naquela época: passar horas do dia longe da minha mãe. Eu era agarrado com minha mãe, até descobrir a bicicleta.

Nova Voz ONLINE – Que bacana amigo!

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Depois, tive dois professores no ensino médio, que foram fundamentais da fase da adolescência: Vânia Sarruf e Aldinélio Nascimento e Silva. Com a Vânia, professora de Português e amiga ainda hoje, descobri que deveria seguir a carreira na área das Humanidades. Ela achava que eu poderia escrever literatura. Me estimulou muito nisso. Agradeço a ela por ter tido a sensibilidade naquele momento. Já o Aldinélio, que é engenheiro agrônomo e com quem não encontro há anos, me deu o impulso de ler sobre política e de construir um posicionamento político que não mudou muito desde aquela época. Ele me estimulou a entender os problemas brasileiros para muito além do que a escola da época infeliz do regime militar me propiciava. Minha escolha profissional se deveu muito a esses dois professores.

Cássio fala sobre o Pai, o Gigante

 Itaocarense, José Maria Fernandes

Nova Voz ONLINE – O seu Pai, José Maria Fernandes, foi uma das mais importantes pessoas da nossa Aldeia da Pedra. Pode nos falar sobre ele?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Tive uma relação de muita amizade com meu pai; amizade mesmo. Talvez poucas pessoas foram tão amigas do pai quanto eu. Sinto muita falta dele, e ainda converso bastante com ele intimamente. Nossa conversa não acabou... Com meu pai, tive a terceira experiência fundamental da infância: as idas à fazenda, em São José de Ubá.

Na fazenda, onde a sensibilidade de Cássio o fez descobrir um Mundo novo no contato com as pessoas do campo

Nova Voz ONLINE – Como isso funcionou com você na construção da sua personalidade?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Meu pai me tirou de casa ainda na infância e me levou para o meio das pessoas na fazenda, numa época em que a fazenda era um lugar cheio de gente. Me lembro da alegria dele quando criou a escola da fazenda. E vinham as crianças de todo canto, de manhã, de sandálias, calça curta, cadernos nos embornais e mãos sujas de terra. Ele se emocionava. Passei a sentir amor por elas. Um amor sustentado na curiosidade de conhecer o mundo delas: a casa, a comida, a linguagem, as tarefas cotidianas, os gestos, as razões daquelas vidas ali, e os seus destinos.

Nova Voz ONLINE – Seu Pai é realmente um dos Gigantes da nossa Itaocara.

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Meu pai queria que aquelas pessoas melhorassem, que aprendessem; também era curioso naquelas vidas. Ele me levou para esse mundo profundo, e nós dois dividíamos essa experiências durante anos. Talvez fosse o Brasil profundo, com todas as suas contradições e tragédias sociais, a razão da nossa curiosidade.

Nova Voz ONLINE – Como surgiu essa relação do seu pai com “a roça”?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Meu Pai teve uma educação urbana, em Pádua, não era ligado à atividade rural por origem. Assumiu a fazenda quando meu avô materno morreu, em 1974. E com uma sensibilidade especial, manteve com a fazenda uma relação que ia além do trabalho propriamente dito. Aquele mundo tinha para ele um significado maior. Ele seguiu o chamado dessa experiência na política; aprofundou, a partir naqueles anos, a atividade política; eu viraria a ser professor no futuro. Hoje entendo o significado daquela atividade que compartilhamos ali.

Nova Voz ONLINE – Demonstra a sensibilidade que o José Maria Fernandes tinha bem antes de se falar de igualdade social.

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Meu pai era um democrata. Foi um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro em Itaocara, o partido que congregava, nos anos 1980, as várias vertentes políticas da luta contra a ditadura militar. Conheceu Tancredo Neves, sonhou com o Brasil democrata sob a liderança de Tancredo Neves, chorou a morte de Tancredo Neves. Viveu efusivamente e redemocratização, a promulgação da Constituição democrática de 1988, admirador de Ulisses Guimarães. Na política local, pensava na integração econômica do Noroeste Fluminense. Lutou nessa frente todo o tempo em que atuou na política, onde ocupou vários cargos durante mais de duas décadas.

Nova Voz ONLINE – O conhecimento geral que ele possui era algo diferenciado.

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Era muito interessado em história e em geografia. Meu pai sabia, em geografia, coisas muito particulares: sabia, por exemplo, o curso dos rios na Europa. Conversávamos muito sobre isso. Sabia essas coisas melhor que eu, mesmo quando eu já deveria conhecer esse assunto de modo mais detalhado.

Nova Voz ONLINE – É o que você falou: ele teve papel central em sua vida.

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Então, tive um estímulo muito forte nesse sentido, e ele foi o principal responsável por isso. Era natural que seguisse, de algum modo, na direção que segui. E mesmo quando ainda era muito incerto o futuro de um jovem que, como eu, estudava Ciências Sociais, nunca ouvi de meu pai qualquer palavra contrária à minha escolha profissional. Ao invés disso, quando eu chegava de Niterói, no final de semana, ele vinha sempre saber o que eu estava estudando, como se quisesse compartilhar a minha experiência do conhecimento. É certo que pudesse ter dúvidas sobre o meu futuro profissional, era uma dúvida legítima. Mas, apesar disso, só me encorajava a seguir. Uma vez me disse: “estude todas as etapas possíveis; parece que quem estuda muito, vive por mais tempo”. Queria que eu fosse longevo.

A Mãe Josane, Professora

e ex-secretária municipal de Educação

Nova Voz ONLINE – E sua mãe, professora Josane, foi Secretária de Educação e sempre buscou tratar com máximo carinho, você e sua irmã Bethânia. Fale-nos sobre ela.

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Minha mãe é da primeira geração de mulheres brasileiras que assumiram concomitantemente a administração da casa e dos filhos e a carreira profissional. Carregou, portanto, todas as dificuldades da chamada tripla jornada. Trabalhava em duas matrículas como professora do Estado, de manhã e à tarde, e ainda cuidava da administração da casa e dos dois filhos: sacrifício invisível de milhões de mulheres brasileiras, que não tiveram e não têm o reconhecimento devido. Foi Secretária Municipal de Educação por quatro anos. Foi uma profissional muito competente. Imagino o esforço dela para dar conta de tudo isso.

A mãe de Cássio Josane, curtindo a neta Helena em Curitiba

Nova Voz ONLINE – Com tudo isso, ela ainda conseguiu dar uma boa atenção a você e a Bethânia?

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Era muito dedicada aos filhos, sempre muito atenta à nossa educação e muito preocupada com as doenças que eram comuns às crianças daquela época. Sim, porque nós que fomos crianças nos anos 70 pegávamos todas as doenças infantis. As vacinas foram criadas, em sua maioria, só naquela época. Tivemos tudo: rubéola, catapora, febre tifóide, hepatite e etc.

Nova Voz ONLINE – Lendo hoje, parece engraçado. Desculpe-me! (Risos)

Dr. Cássio da Silva Fernandes - Minha mãe quase enlouquecia e deixava enlouquecido o tio Robério (irmão dela), médico. Tenho muitas lembranças das preocupações dela. Ela tinha sido criada na fazenda do avô, em São José de Ubá, e convivido com a avó, que tinha todos os medos característicos do misticismo rural brasileiro. Então, não podíamos misturar determinados alimentos, segundo essas crenças. Uma vez, eu me esqueci que tinha tomado leite, e comi caju. Quando me dei conta disso, corri para avisar a minha mãe. Ela prontamente me levou ao hospital, para a consulta do tio Robério.

Nova Voz ONLINE – E ai?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Meu Tio, de jaleco de médico, dizia que não tinha problema nenhum. Mas ela insistia que eu deveria ficar internado em observação. O tio Robério, então, colocou um fim na conversa dizendo: “se eu fizer um exame no menino, vão aparecer lá o leite e o caju; e nada mais”. Mas era assim, uma personalidade muito comum na cultura brasileira: um misto de educadora, voltada às teorias pedagógica, mesclada ao universo mental das crendices e mitos populares. É um retrato do Brasil. Sempre fui muito curioso com essa contradição de caráter muito própria da cultura brasileira.

Nova Voz ONLINE – Tem outra pessoa muito especial nesse seu período de vida, não é mesmo?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – É claro, em casa, minha mãe tinha a ajuda da Dedê, que considero minha segunda mãe ou minha irmã, não sei bem. A Dedê chegou lá em casa com nove ou dez anos de idade, para ser minha babá, e só saiu lá de casa casada. E mesmo assim, continuou trabalhando com meu pai no escritório por anos. Foi uma figura fundamental na minha educação, sempre tranqüila e racional, ao contrário de minha mãe. Mantemos um contato muito próximo, apesar da distância física que nos separa.

A irmã Bethânia, mulher notável, que deu seguimento a Core Contabilidade

Nova Voz ONLINE – E é claro. A Bethânia é uma mulher impressionante. Num momento de grande dificuldade, quando seu pai adoeceu, e naturalmente havia dúvidas, em relação a Core Contabilidade. Ela, com coragem e determinação, ao lado do sócio Fabiano e funcionários, assumiu as rédeas da empresa e até hoje, continua funcionando, atendendo super bem aos clientes e mantendo o jeito do seu pai, de transformar clientes em amigos. Fale-nos sobre ela.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Bethânia tem muito da personalidade do meu pai. Assumiu o escritório de contabilidade que meu pai, em sociedade com o José Romar, tinha criado nos anos 60. Bethânia manteve a mesma competência, a mesma confiabilidade necessária nessa área de atividade, a mesma integridade moral. E assumiu num momento extremamente difícil, porque meu pai tinha sofrido as conseqüências da ruptura do aneurisma cerebral, que o levou a uma sobrevida de 16 anos em situação muito ruim. Depois de quase quatro anos em que ele viveu comigo, em Curitiba e Juiz de Fora, em tratamento permanente, Bethânia o acolheu e teve que assumir também a tarefa dos cuidados com ele.

Bethânia, ser humano fora de série, com o filho Otávio

Nova Voz ONLINE – A Bê (como seu pai a chamava) é uma autêntica heroína. Das mulheres mais formidáveis que temos em Itaocara.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – E isso (é preciso reforçar o papel das mulheres na sociedade), além da responsabilidade com a educação do filho, Otávio, e da administração da casa. Ela tem um tino administrativo muito grande, uma inteligência especial e muita capacidade de trabalho. É claro, não poderia deixar de mencionar o equilíbrio da ajuda nisso por parte de meu cunhado, Tande, uma pessoa de grande capacidade e respeitabilidade na região. Ele é muito importante nesse processo todo.

Nova Voz ONLINE – Sem dúvidas!!!

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Mas, Bethânia começou no ramo aos 15 anos de idade, como estagiária da Caixa Econômica; em seguida, foi gerente do Balcão Sebrae de Itaocara, até ir trabalhar com meu pai no escritório. E ainda se especializou, formando-se em Direito. Tenho muito orgulho dela e sou muito feliz por ela ter continuado a atividade no escritório. E é uma irmã muito querida!!

O encontro com o Pai em Pisa,

na Itália, durante o Doutorado

Nova Voz ONLINE – Houve um momento muito especial da sua vida, quando estava cursando o Doutorado em História da Arte na Universidade de Pisa, e pode receber seu Pai na Itália. O que poderia nos contar sobre esses dias que dividiram?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – De fato, fiz parte da pesquisa de doutorado na Itália, em 2001 e 2002. Morei em Pisa e estudei na Universidade de Pisa. Fiz a modalidade de doutorado que existe ainda hoje, onde se começa no Brasil (no meu caso, na UNICAMP), faz-se parte da pesquisa no exterior e defende-se a tese no Brasil. No final de minha estadia de 18 meses na Itália, meu pai me visitou por um mês.

José Maria e Cássio com a torre de Pisa ao fundo

Nova Voz ONLINE – Como foi esse momento?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Foi uma experiência muito boa. Viajamos juntos pela Itália, Espanha e Portugal. Eu já tinha praticamente finalizado meu trabalho lá àquela altura, e pude acompanhá-lo. Ele era muito interessado em História, e como meu trabalho consistia, em parte, em estudar os monumentos artísticos do século XIV ao XVI na Itália, aproveitamos bem as viagens que eu ainda tinha que fazer do projeto, além de incluirmos outras, para que ele conhecesse alguns lugares.

Nova Voz ONLINE – Deve ter sido fantástico!

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Ele experimentou um pouco da minha tarefa de historiador da arte, que caminha o dia todo, de monumento a monumento, comendo a poeira milenar italiana. Nos cansamos, mas aprendemos muito juntos naqueles dias. Meu pai tinha muita sensibilidade histórica e se emocionava em alguns momentos. Me lembro dele chegar às lágrimas diante da “Anunciação” de Leonardo da Vinci, num museu em Florença, observando a transparência que o artista conseguiu dar na pintura das páginas da Bíblia na cena representada.

Nova Voz ONLINE – Esse era o meu amigo José Maria!

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Outra vez, também chorou vendo o Palácio Público de Pisa, símbolo da República que foi a cidade de Pisa ainda na Idade Média. Ele entendia bem o valor simbólico das obras de arte, coisa rara mesmo em pessoas de formação acadêmica. Acho que ele tinha uma sensibilidade muito particular.

Nova Voz ONLINE – Conte mais!! Eu e os leitores estamos adorando!!!

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Meu Pai tinha uma capacidade impressionante de fazer amizade. Na Espanha, em Granada, fomos à defesa de tese de doutorado de minha mulher, Angela. Ele assistiu à longa defesa ao meu lado, me perguntava quando não entendia bem uma palavra ou outra em espanhol, durante a argüição dos professores. Depois, como é de praxe na Espanha, nós tivemos que oferecer um jantar aos cinco professores componentes da banca. Convidamos ainda alguns amigos espanhóis. Angela e eu juntamos as economias, já escassas no final da viagem. Meu pai fez uma contribuição generosa para fecharmos o menu. Durante o jantar, meu pai, mesmo com a dificuldade da língua, fez amizade com um dos professores. Terminaram o jantar cantando juntos, diante dos palácios árabes de Granada, a Alhambra. Tinha um carisma especial.

Jacob Buckhardt – Suíço sobre quem Cássio estudou em Pisa

Nova Voz ONLINE – Por falar nisso, o que o levou a estudar Jacob Buckhardt, em sua tese de doutorado em História da Arte?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Acho que foi o interesse pela interpretação da história observando um contexto histórico preciso com base em todas as expressões dos homens. Burckhardt é um historiador da cultura do século XIX, suíço, que estudou o período do Renascimento indagando as conexões entre política, religião, literatura, ciência e arte, fazendo uma síntese da época que ainda hoje tem alguma validade para o estudo dos especialistas.

Nova Voz ONLINE – Que interessante!

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Esse autor me conduziu em direção ao universo artístico da época do Renascimento (séculos XIV, XV e XVI), porque eu queria entender as fontes dos seus estudos, ou seja, as próprias obras de arte que ele analisou. Por uma contingência do destino, depois de iniciada minha pesquisa sobre Burckhardt descobri que ele era, naquele momento (nos anos 1990), uns dos historiadores mais estudados na Europa.

Nova Voz ONLINE – Eureca então?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Foi uma coincidência. Mas isso me permitiu desenvolver a pesquisa em contato com alguns estudiosos europeus, e, depois, acabei virando historiador da arte. Mas, tive muita sorte, porque peguei o período mais positivo da história brasileira, durante os governos de Lula, em que a ciência teve recursos para se desenvolver como nunca.

Nova Voz ONLINE – Isso teve relevância então?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – A Europa manteve, nessa fase, muito interesse no Brasil. Posso ter tido algum mérito nisso, mas o contexto feliz da era Lula (que os europeus chamam de “década de ouro do Brasil”) foi fundamental. É lamentável a decadência que sofremos a partir de 2016, e muito mais grave neste momento, em que nos distanciamos tanto do mundo. A nossa produção científica tem sofrido muito com o fato de o Brasil ter se transformado num país a ser evitado.

O encontro de almas

com a esposa Angela

Nova Voz ONLINE – E o encontro de almas, com sua esposa Angela, que também é Professora, no caso dela, em Arte Barroca do Brasil. Como se deu?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Faz 20 anos que nos conhecemos. Foi quando eu estava me preparando para ir morar na Itália. Angela era professora da universidade em Curitiba e teve licença para finalizar o doutorado que fazia na Espanha. Então, nos encontramos na Itália, ela escreveu a tese lá e defendeu o doutorado em Granada pouco antes de voltarmos para o Brasil.

Em Pisa, na Itália, Cássio com Angela

Nova Voz ONLINE – Além de todas as coisas boas que o estudo lhe proporciona, ainda trouxe a Angela para sua vida. Isso que foi bônus (risos).

Dr. Cássio da Silva Fernandes – É a prova que estudar compensa. Hoje somos colegas do Departamento de História da Arte na Universidade Federal de São Paulo. Viemos para a UNIFESP na mesma época, em janeiro de 2011, depois de 5 anos em Juiz de Fora (na UFJF).

Nova Voz ONLINE – Foi uma boa mudança?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Era uma época de muito otimismo com relação à ciência no Brasil. Fernando Haddad, quando Ministro da Educação, tinha realizado o projeto de expansão da UNIFESP, criando a Escola de Humanidades, onde foi implantado o curso (depois departamento) de História da Arte. Foi o primeiro curso nessa área criado no Brasil, nos moldes da tradição na Europa e nos EUA.

Nova Voz ONLINE – Pioneirismo.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Então, a História da Arte integrada aos estudos de Sociologia, Antropologia, Filosofia, História, Letras. Uma ação inovadora, que nos levou a um intercâmbio internacional muito profícuo. Somos o único departamento nesses moldes no Brasil ainda hoje, e provavelmente, com todos os corte de recursos do setor científico nos últimos anos, permaneceremos sendo o único. Este projeto nos animou a vir para São Paulo, fizemos os concursos e fomos admitidos cada um em sua área de atuação. Angela é minha “colega” também na geração de dois filhos, Helena e André. Esta é a nossa parceria mais importante.

Os filhos Helena e André

Nova Voz ONLINE – De repente meu querido amigo da adolescência, é Pai de dois filhos: uma menina de 17 anos e um menino de 15 anos. Como é ser Pai? Como isso lhe transformou? De que forma busca se relacionar com seus filhos?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Ser pai desses dois seres humanos que tenho em casa é a coisa mais maravilhosa que me aconteceu. Mas, especialmente porque eles são assim como são: pessoas muitos boas mesmo, em quem confio plenamente, Já posso antever neles adultos com valores de humanidade e altruísmo. Me considero realizado por isso.

Helena e André, filhos de Cássio e Angela

Nova Voz ONLINE – Ser pai é a melhor coisa que existe?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Foi a coisa que mais deu certo na minha vida, não tenho dúvida nenhuma. Eles têm cada um a sua personalidade, evidentemente, mas não sinto neles nenhum estranhamento. Mesmo quando discordamos, compreendo muito bem as razões das opiniões deles. São sempre razões muito legítimas e muito bem sustentadas. Eles têm uma estrutura íntima muito sólida. Somos amigos.

Nova Voz ONLINE – Têm a mesma paixão pelo estudo que você e a Angela possuem?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Os dois gostam muito de estudar. Helena fará vestibular este ano. Apaixonada por cinema, decidiu estudar História da Arte. Se passar, vai ser nossa aluna na UNIFESP. André tem mais tempo para decidir sobre a carreira. Gosta muito de futebol, joga no time da cidade, é bom lateral direito e desenvolve bem também na lateral esquerda. Meu companheiro de sofrimento futebolístico, torcedor do Vasco como eu.

Nova Voz ONLINE – Tanta gente de bom gosto e nenhum rubro negro? (Risos)

Dr. Cássio da Silva Fernandes – É a prova do nosso bom gosto (kkk). Como tive filhos já depois dos 30 anos de idade, vivi duplamente uma experiência muito interessante. É que com a idade, o menino que a gente foi volta. Porque até os 30 e poucos ou 40 anos a gente precisa soterrar o menino que fomos, para que surja o adulto, com todos os compromissos que o adulto tem: trabalho, profissão, carreira.

Nova Voz ONLINE – Uuaal. Concordo integralmente.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Depois, com isso resolvido, a infância fica mais perto na memória e aí o menino volta. No meu caso, o menino que fui foi voltando na minha percepção junto com a experiência da infância dos meus filhos. Aí a minha própria infância veio forte na memória; tudo de novo: a bola, a bicicleta, as brincadeiras, depois a escola, as comidas. É como ter uma segunda vida.

O momento brasileiro com

sentimento de ódio aflorado

Nova Voz ONLINE – Sei que a resposta dessa pergunta é complexa, mas, mesmo assim, me arrisco a questionar: qual o porquê de estarmos passando por um momento de tanto ódio, de paixões destrutivas, como o atual?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Acho que o que aconteceu na política brasileira nos últimos anos não é difícil de entender, porque é muito semelhante ao que aconteceu outras vezes entre nós. Há uma esfera da cultura brasileira que tem uma força muito grande de permanência, que vive num tempo histórico quase imutável, num plasma, como dizia o historiador francês Fernand Braudel. Essa lama imóvel, essa temporalidade sem movimento, em que vive parte considerável da população brasileira, é constituída de valores ancorados em nosso passado escravista.

Nova Voz ONLINE – Então não é algo de agora? Vem de uma raiz histórica?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Essa parcela da sociedade brasileira, da qual faz parte a elite de nosso país, mas também a maioria de nossa classe média, se sustenta num passado que insiste em nos perseguir como um assombro na nossa longa noite escravocrata. Vivemos majoritariamente nesse passado de escravidão e preconceito racial. E não mudamos porque não temos a consciência desse fantasma. Ele é o responsável pelo Brasil ser uma das nações de maior desigualdade social no mundo.

Nova Voz ONLINE – O que vemos agora é a luta entre as forças de avanço e as forças de retrocesso?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Toda vez que avançamos, ainda que moderadamente, contra o assombro escravocrata da desigualdade social, logo se levanta o passado, como uma força trágica, e nos faz retroceder. E sempre o pretexto é o discurso falso moralista da corrupção, que é lançado contra governos progressistas.

Nova Voz ONLINE – Há precedentes históricos?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Foi assim com Getúlio Vargas, que se suicidou durante o cerco militar do Palácio do Catete; foi assim com Juscelino, que quase não conseguiu tomar posse e depois foi assassinado no falso acidente automobilístico da Rodovia Presidente Dutra; foi assim com João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964 e depois envenenado no Uruguai. E foi assim com o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff e a subsequente perseguição implacável e prisão de Lula. Vivemos sempre tudo de novo, na mesma noite escravocrata que insiste em não terminar.

Nova Voz ONLINE – A ascensão do Bolsonarismo passa por isso?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Estamos hoje soterrados pelo inferno bolsonarista da fome, do desemprego, da tragédia social, da tragédia sanitária que ceifou pelo menos 600 mil vidas, da destruição do Estado, do genocídio indígena, na humilhação dos negros, da destruição da ciência, da ignorância, do colapso ambiental (nos próximos meses, também da inflação descontrolada e da crise da energia) porque antes existiu o golpismo da Lava-Jato.

Angela, Cássio e José Maria em Lisboa

Nova Voz ONLINE – A Lava Jato não tem nenhum mérito?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – A Lava-Jato é uma operação judicial liderada por um Procurador (Dallagnol) e um Juiz (Moro), dois personagens provincianos, vaidosos, ambiciosos e sem escrúpulos, desprovidos de qualquer noção histórica, sem nenhuma visão geopolítica, destruiu o Brasil.

Nova Voz ONLINE – Como isso afetou a eleição de 2018, em sua opinião?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – O Bolsonaro é consequência direta da ação destrutiva da política, empreendida por essa operação judicial. Para perseguir um partido político e um líder popular que havia feito talvez o melhor governo de nossa história, demonizaram a política e nos legaram ao inferno em que vivemos. E era tudo mentira, como sabemos agora, depois que Lula é inocentado em 19 processos. E falo isso com a tranquilidade de alguém que não é filiado a nenhum partido político, que nem votou em Lula na primeira eleição vencida por ele. Falo como cidadão brasileiro, que sofre com o sofrimento em que vivem os menos favorecidos e mesmo a classe média, que conhece uma realidade difícil neste momento.

Nova Voz ONLINE – O Judiciário passou a ter um papel que não lhe cabia?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Então, presenciamos o contexto de politização do judiciário e de judicialização da política, que se tornou prática utilizada no Brasil nos últimos anos, e que tem nos levado a um processo semelhante àquele da Alemanha nazista, onde as próprias instituições republicanas levaram ao totalitarismo (a Hitler). O Estado serve-se de seu aparato judiciário para perseguir os adversários políticos e para enfraquecer as próprias instituições republicanas, utilizando-as politicamente. E tudo com a conivência dos órgãos de comunicações, as grandes corporações jornalísticas, que atuam muito mais como assessoria de comunicação dos setores financistas (os grandes investidores do mercado financeiro).

Nova Voz ONLINE – Isso parece lhe incomodar.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Me inquieta muito a visão equivocada que parcela considerável da sociedade brasileira tem da figura do Lula, e isso explica muito a aceitação passiva à perseguição impetrada contra o PT e contra Lula individualmente. E num momento em que o Brasil era a nação que mais chamava a atenção no mundo. Chamava a atenção pela grande capacidade de reduzir a pobreza, de promover mobilidade social, de avançar na ciência, de avançar na democracia e ter um dos mais importantes líderes mundiais naqueles anos. Lula, com a implementação da política socialdemocrata no Brasil, indicou um caminho político e econômico para a Europa depois da grande crise de 2008. Lula foi um farol para a derrocada do neoliberalismo na Europa, que tinha levado à destruição da rede de proteção social aos europeus e tinha produzido os anos de decadência econômica no Velho Continente.

Nova Voz ONLINE – Na sua percepção há um fenômeno político que transcende as fronteiras nacionais?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Respondendo, outro elemento grave nessa teia geopolítica é que a perseguição a Lula a ao PT foi executada com apoio e papel central dos Estados Unidos. E não falo propriamente apenas do governo norte-americano, mas do chamado “Estado Profundo”, que tem um papel central na estratégia geopolítica dos EUA, até certo ponto independentemente de quem está à frente do governo norte-americano.

Nova Voz ONLINE – Como assim?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Falo da CIA, FBI, Militares, etc., o chamado “Estado Profundo” (Deep State). A Lava-Jato fez um acordo ilegal com o sistema judiciário norte-americano, entregando aos norte-americanos todas as informações que necessitavam para arruinar o Brasil. Os Estados Unidos foram os verdadeiros mentores da operação Lava-Jato, implementando contra nós a chamada “guerra híbrida”, que destrói uma nação sem a utilização de bombas ou mísseis.

Nova Voz ONLINE – Estou compreendendo sua linha de raciocínio.

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Por isso a tática de destruição do Brasil, encabeçada pela Lava-Jato (com apoio da mídia, da cúpula e de setores do judiciário, além de nossa cúpula militar) focou na Petrobrás e nas grandes empreiteiras. E focou nesses dois setores não com o interesse de separar os possíveis corruptos individualmente em relação às empresas.

Nova Voz ONLINE – Mas qual seria o objetivo?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Era para destruir Petrobrás e empreiteiras exatamente porque o Brasil possui hoje uma das maiores (senão a maior) reserva de petróleo do mundo e as empreiteiras brasileiras concorriam com as empresas norte-americanas do ramo na África e na América Latina. Então, a Lava-Jato, trabalhando para os americanos, focou na destruição das empreiteiras e na desmoralização da Petrobrás (com o interesse de entregar o petróleo ao capital internacional, ou seja, desnacionalizar a Petrobrás). Essa estratégia serviu para os norte-americanos destruírem o protagonismo do Brasil, que tinha ainda atuado decisivamente na construção dos BRICS, a área de intercâmbio comercial entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Brasil estava se transformando numa nação de primeira grandeza no mundo, e tinha na figura de Lula um símbolo internacional potente. Voltamos, no entanto, a partir do governo Temer, a outro elemento de nossa temporalidade histórica imóvel: o período do Brasil colônia.

Nova Voz ONLINE – Mas qual foi o efeito da Lava Jato dentro do país?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Internamente, a Lava-Jato serviu ao interesse da minoria (pouquíssimo numerosa) que detém a riqueza no Brasil. Inventou o discurso da corrupção para tirar o foco daquilo que importava de fato, e para justificar a política de destruição do Estado: aquela que prega a necessidade de privatizar, sem a mínima noção estratégica ou de futuro. É que as privatizações cumprem duas tarefas fundamentais para esse setor político que nos governa hoje: 1) diminui o Estado para que sobrem recursos para o pagamento da chamada dívida pública (que enche o bolso dos banqueiros); 2) é um maná para o bolso dos políticos que se apossam das privatizações, é um grande negócio individualmente.

Caiu a máscara?

Nova Voz ONLINE – Acha que pelo menos essa fase derrubou a máscara de sociedade pacífica e amorosa, que sempre acreditamos sobre o Brasil?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Sinceramente, não acho. Não tenho nenhum otimismo nesse sentido. Pensemos agora apenas na política interna brasileira. Bolsonaro foi eleito pelo mesmo “sistema” que deu o golpe de 2016 e colocou Michel Temer no poder. Esse “sistema” é formado por uma coalizão entre mercado financeiro, cúpula do judiciário, cúpula da FIESP, cúpula militar, grandes corporações de mídia. Esse “sistema” se aliou à Lava-Jato, validou todas as aberrações jurídicas da Lava-Jato, serviu de assessoria de comunicação da Lava-Jato, ofereceu à Lava-Jato seu palco e seus gordos cachês para palestras.

Nova Voz ONLINE – Como assim?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Esse “sistema” retirou Dilma do poder, prendeu Lula, entregou a eleição a Bolsonaro. Do ponto de vista econômico, o governo Bolsonaro é a continuação do governo Temer: destruição do Estado por meio da política de privatização, destruição das garantias de seguridade social do povo, reformas que conduzem à pobreza, miséria, estagnação econômica, entrega completa da política econômica ao mercado financeiro, além de uma política externa de vassalagem aos Estados Unidos.

Nova Voz ONLINE – Bolsonaro não modificou esse cenário?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Bolsonaro, em tudo isso, é uma continuação de Temer exatamente porque foi colocado lá pelo mesmo grupo que lá tinha colocado Temer. Porém, Bolsonaro é um primata, e avançou o sinal. Trouxe para o centro do governo os grandes fazendeiros dos rincões do Brasil, ávidos pelo avanço sobre as terras indígenas, e as milícias armadas das periferias das grandes cidades, com seu comércio ilegal de armas e seus negócios espúrios.

Nova Voz ONLINE – Há risco institucional?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – O Bolsonaro atenta contra as instituições, que são controladas por aquele mesmo “sistema” de que falei. Houve, então, certa ruptura nesse acordo das elites. Bolsonaro não serve mais ao “sistema”.

Nova Voz ONLINE – O sistema então está contra o Bolsonaro?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Seu governo passou a ser um empecilho aos ganhos financeiros de vários setores econômicos. Então, a “Casa-Grande” quer expelir esse hóspede que não sabe comer com talheres. Mas, quer expulsá-lo para colocar em seu lugar um outro, mais polido, que faça o serviço de manter de pé, inabalável, a nossa velha tradição baseada na Casa-Grande e na Senzala. Então, com esse “sistema” no poder, não haverá mudança; no máximo, encontrarão um modo menos primata de manter viva nossa herança cultural escravocrata. Mas, não me espantaria se, na dificuldade de um candidato viável nas próximas eleições, esse grupo se recomporia com o próprio Bolsonaro e começaria tudo de novo, como nas eleições passadas.

Nova Voz ONLINE – Pode explicar melhor?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Poucos dias atrás, numa entrevista a um canal brasileiro, o filósofo e linguista, Noam Chomsky, afirmou: “O Brasil é uma espécie de caso especial. Raramente vi um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador. É enraizado.” Concordo totalmente com ele.

Os 131 anos de Itaocara

Nova Voz ONLINE – Em 2021 Itaocara celebra 131 anos de Emancipação Política e Administrativa. Se pudesse dar um presente à cidade e aos cidadãos, o que seria?

Dr. Cássio da Silva Fernandes – Envio não propriamente um presente, mas um alerta neste momento trágico que vivemos. Não fui a Itaocara depois do início da pandemia. Fiquei em casa, trabalhando de casa, isolado. Mas imagino o abalo para uma cidade como a nossa ter mais de 80 vítimas desse vírus mortal. Sem falar nos tantos que sofrem e sofrerão com as sequelas dessa doença. Eu me pergunto quantos dos que se foram poderiam ter sido salvos se tivesse havido uma palavra de esclarecimento por parte do Presidente da República, já que muitos acreditavam piamente nele. Quantos desses se salvariam se tivesse havido uma campanha de esclarecimento por parte do Ministério da Saúde? Quantos não morreriam se o governo federal não tivesse insistido em criar a falsa ideia dos medicamentos sem eficácia contra o vírus? Quantos, se as vacinas tivessem sido compradas pelo governo federal quando surgiram as primeiras ofertas de imunizantes ao Brasil, ao invés do mesmo governo federal ter atrasado as compras (como sabemos agora) para que pudesse fazer negociatas com fabricantes dispostos a pagar propinas aos agentes públicos? Quantos não teriam morrido, se tivesse havido uma campanha séria de vacinação em massa, que pudesse fazer os imunizantes chegarem com mais rapidez às pessoas? Então, o meu alerta é: essa tragédia é, em grande parte, uma tragédia política. E que tenham força todos aqueles que perderam pessoas amadas. E recebam os meus sinceros sentimentos.




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